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Lula defende mais integração na América Latina contra a crise econômica e o conservadorismo


Lula defende mais integração na América Latina contra a crise econômica e o conservadorismo

Ernesto Samper, secretário geral da Unasul; Lula; Ricardo Patiño, ministro das relações exteriores do Equador; Vicente Cerezo, ex-presidente da Guatemala. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

“Lula, bem-vindo,  o Equador está contigo”, assim foi recebido o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta quarta-feira (3), em Guaiaquil, no Equador,  onde defendeu a aceleração da integração latino-americana contra a crise econômica.

O ex-presidente participou nesta quarta-feira (3), do Seminário Internacional “Integração e Convergência na América do Sul”, da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), onde aconteceu a conferência “A Unidade e a Integração Latino-Americana e Caribenha: Passado, Presente e Futuro”. O seminário antecede a inauguração da sede da Unasul, em Quito, na sexta-feira (5), com a presença dos presidentes da região, inclusive a presidenta Dilma Rousseff.

Em seu discurso, Lula parabenizou a vitória de Tabaré Vasquez no Uruguai, considerada pelo ex-presidente brasileiro parte de um “segundo ciclo” de integração e governos populares na América do Sul, junto com as recentes eleições de Evo Morales, na Bolívia, Michelle Bachelet, no Chile, e Dilma Rousseff, no Brasil. Para o ex-presidente, o povo renovou sua confiança nos governos de transformação social, mesmo diante de ataques do conservadorismo feitos “a toda soberania de uma região do planeta que está construindo um vigoroso projeto alternativo ao neoliberalismo.”

Ao comentar os avanços da integração no século 21, Lula apontou que o já realizado em infraestrutura e aumento do comércio na América Latina, que saltou de 50 bilhões de dólares para 189 bilhões de dólares em 10 anos, foi muito, mas ainda não estão à altura do nosso potencial ou necessidades. “A crise econômica mundial teve um efeito inibidor sobre as iniciativas de integração. Como se tivéssemos que esperar o fim da crise para voltar a tratar da integração. Estou convencido de que é justamente o contrário: quanto mais nos integrarmos, melhores serão as nossas condições para enfrentar e superar os efeitos da crise.”

Lula citou como exemplo, problemas em dois projetos de infraestrutura que ligam o Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico, um que liga o Brasil ao Chile, outro ao Peru, que sofrem com problemas burocráticos nas fronteiras para facilitar o fluxo de mercadorias na região. E também a resistência do Brasil a importar bananas produzidas no Equador.

O evento, feito em parceira com o Instituto Lula e o Ministério das Relações Exteriores do Equador, debateu a integração da América Latina, com a presença do secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, da president da Cepal, Alicia Bárcena, o ministro das Relações Exteriores, Ricardo Patiño, o socólogo brasileiro Emir Sader, entre outras autoridades, representantes de institutições multilaterais, como o Mercosul, a Aliança do Pacífico, a ALBA, parlamentares, embaixadores e pesquisadores. 

Leia abaixo a transcrição do discurso de Lula em Guaiaquil:

(...) trabalhar com um intérprete, para que vocês encontrem aqui, e entendam o que estou falando. Houve um tempo em que eu pensava que nós nos entendíamos, sabe, ideologicamente e pelo coração (aplausos). Eventualmente surgem algumas palavras que precisam ser traduzidas, e eu queria começar cumprimentando o companheiro Ricardo Patiño, Ministro das Relações Exteriores do Equador; o companheiro Vinicius Cerezo, ex-presidente da Guatemala; o companheiro Ernesto Samper, secretário geral da Unasul; o companheiro Pablo Guzman, secretário geral da Comunidade das Nações Unidas; o companheiro Carlos Alberto Alvares Campato, secretário geral da Aladi; o companheiro Fernando Alvarez, secretário geral da ALBA, e a nossa querida companheira Alicia Marcela de Barros; nosso querido companheiro Roberto Conde, senador da República Oriental do Uruguai, e nosso querido companheiro Luís Dulci, diretor do Instituto Lula, que viajou comigo para cá,  e o meu companheiro cientista político do Brasil, companheiro militante das lutas populares, Emir Sader; aos ministros, parlamentares, acadêmicos, trabalhadores, empresários, jornalistas e amigos. É um privilégio participar deste encontro com representantes de tantos países irmãos no momento em que se inaugura a sede permanente da Unasul. Este é um passo extraordinário para concretizar o sonho da integração dos nossos povos e dos países. E eu não poderia deixar de felicitar meu querido companheiro Rafael Correia, uma das lideranças mais expressivas do nosso continente, um dos maiores incentivadores desse projeto. Quito tornou-se de fato, a capital da integração, aquele belo edifício na metade do mundo, será a partir de amanha a casa de todos nós. Saúdo fraternalmente o companheiro Ernesto Samper, novo secretario geral da Unasul, que vem contribuir com sua experiência política e reconhecida capacidade de diálogo, qualidades essenciais para conduzir o processo de integração a uma nova etapa possível e necessária.

Antes de entrar no tema desta conferência, quero prestar uma homenagem a dois companheiros que não estão mais entre nós, mas sem os quais não teríamos chegado tão longe, que é o companheiro Nestor Kirchner e o companheiro Hugo Chavez (aplausos). Cada qual a sua maneira, eles foram personagens fundamentais neste processo, emprestando sua energia, generosidade e visão de futuro para o fortalecimento do Mercosul, a criação da Unasul  e a constituição da Celac. Líderes de origem de países distintos, Kirchner e Chavez demonstraram, acima de tudo, espírito de fraternidade e compromisso com o desenvolvimento e a integração com os povos da América Latina e do Caribe, dedicando especial atenção para o combate à pobreza e à desigualdade.

Saúdo também a eleição do último domingo do companheiro Tabaré Vasquez para o segundo mandado como presidente do Uruguai, que, em sua primeira Presidência, o companheiro Tabaré foi um dos grandes artistas da construção da Unasul. Sua eleição foi mais uma importante vitória das forças progressistas de nossa região nesses últimos dois anos. Neste período, os governos transformadores sofreram os mais duros ataques por parte dos adversários internos e por parte dos porta-vozes mundiais do conservadorismo político e econômico. Numa interferência totalmente descabível em assuntos internos, analistas de mercado, agentes de risco e até organismos multilaterais tentaram desqualificar políticas econômicas soberanas que evitaram o desemprego e a recessão em nossos países. A imprensa dos grandes centros financeiros demonizou projetos políticos democraticamente eleitos, valendo-se, muitas vezes, da manipulação dos fatos, da mentira e do preconceito. Foi um ataque coordenado e tenaz, mas as populações dos nossos países não se deixaram intimidar e afirmaram, nas urnas, a decisão de trilhar o longo caminho do desenvolvimento e inclusão social, rechaçaram o retrocesso ao neoliberalismo e aos modelos excludentes do passado.

O fato é que, desde a eleição do companheiro Rafael Correia, do Equador, e da vitória de Nicolas Maduro, na Venezuela, as forças progressistas inauguraram um segundo ciclo de vitórias eleitorais em nossa região. O respaldo popular aos projetos de mudança se manifestou no Chile, com Michele Bachellet; em El Salvador, com Salvador Sanchez Cerén; na Bolívia, com Evo Moralles. Na Colômbia, os inimigos do processo de paz foram derrotados pelo presidente Juan Manuel Santos com apoio qualificado das forças de esquerda no segundo turno. No Brasil, reelegemos a companheira Dilma Rousseff, numa campanha duríssima, que mobilizou fortemente os setores populares e democráticos da nossa sociedade.

Apesar dos reflexos de uma crise global, que não foi criada por nós, mas pela especulação desenfreada dos grandes centros econômicos; apesar da dureza da disputa com a radicalização cada vez mais estridente da direita; apesar de todas as dificuldades, o povo renovou a confiança nos governos de transformação social no nosso continente (aplausos).

Não devemos nos iludir. Os ataques do conservadorismo não se dirigem a cada país isoladamente. São ataques da soberania de toda uma região do planeta que está construindo um rigoroso projeto alternativo ao neoliberalismo, lastreado na democracia, no diálogo e na busca de formas mais justas de desenvolvimento. Neste último decênio, o processo de integração que havia sido interrompido pelos governos neoliberais foi retomado com vigor. Afinal, percebemos que os desafios do desenvolvimento são comuns aos nossos povos e países e por isso não podíamos continuar de costas uns para os outros.

Posso dar o testemunho da ação de resgate do Mercosul, da qual participei diretamente em meu período como presidente da República. Foi uma decisão estratégica, que anunciamos no primeiro dia de governo em janeiro de 2003 e que estava em plena sintonia com os anseios de Argentina, Paraguai e Uruguai.

Além de revalorizar o papel das chancelarias, estabelecemos um mecanismo de consulta permanente pros chefes de estados. Um contato direto entre os presidentes gerou confiança mútua e aprofundou a compreensão sobre a importância da integração para cada país.

Aqui, companheiro Samper, eu queria particularizar uma coisa: eu gritava com o Chavez, eu gritava com o Chavez, dizendo a ele... Eu me reunia mais vezes por ano com o Chavez do que com a minha mulher (aplausos). Pra que a gente pudesse construir o que nós construímos, não podia haver desentendimento entre nós. Eu acho que nunca houve, na história da América Latina, um período de tantas reuniões presidenciais como houve entre 2003 e 2010. Era quatro por anos com a Venezuela, três com a Argentina, duas com o Equador, duas ou três com a Bolívia, duas ou três com o Chile, além das reuniões da Unasul, do Mercosul, para que a gente pudesse chegar aonde nós chegamos. Por isso eu digo, queridos companheiros, eu to feliz de estar aqui (aplausos).

Investimos fortemente na redução das assimetrias entre os membros do bloco, elevando de maneira exponencial os recursos do fundo destinado a este fim, o Focem. Isso resultou em importantes obras e melhorias da infraestrutura produtiva e social, beneficiando, sobretudo, as economias menores. Promovemos também acordo de imigração e previdência social no âmbito do bloco.

Querida Alicia, em apenas dez anos o comércio entre os países do Mercosul passou de 15 bilhões de dólares para 66 bilhões de dólares. Com o ingresso da Venezuela, o bloco se fortaleceu e as possibilidades de comércio cresceram ainda mais. Uma expansão comercial semelhante ocorreu em todos os blocos regionais no continente. Em dez anos, as trocas comerciais entre os países da América Latina e Caribe passaram de 50 bilhões para 189 bilhões de dólares. Mais da metade dessas trocas envolve produtos manufaturados, numa lista diversificada de quase 10 mil itens. E aqui quero destacar a importância, para as pequenas e médias empresas, das oportunidades geradas pelo comércio interior do bloco. Estas empresas são fundamentais em qualquer país para geração de emprego e renda e a democratização do processo econômico.

Os avanços de integração, no entanto, foram além das relações comerciais. Os empresários dos nossos países estão aprendendo a investir nos países vizinhos e não apenas a vender e a comprar. Grandes empreendimentos regionais estão se constituindo em áreas como aviação, telefônica, telefonia, serviços financeiros, alimentação, cimento e tecnologia da informação, entre outros.

Até 2004, a troca de investimentos entre países da região correspondia a apenas 4% do investimento direto externo na América Latina e Caribe. Hoje, já ultrapassou 14% do total e pode chegar a muito mais se fizermos o que tem que ser feito. Esses dados devem ser da Cepal, viu Alicia (aplausos).

Em dezembro de 2004, em dezembro de 2004, na reunião de presidentes sul-americanos em Cuzco, demos um grande passo político com a criação da Unasul. Constituímos um organismo democrático, multilateral sem nenhum tipo de tutela externa. É muito significativo, do ponto de vista da nossa evolução histórica, que uma das primeiras iniciativas da Unasul tenha sido a instalação do Conselho Sul-americano de Defesa.

E veja, meu caro chanceler, em breve estará funcionando, em Quito, a Escola de Defesa Sul-americana (aplausos). Com tais medidas corajosas, impensáveis para muitos de minha geração, demarcamos o território da soberania, do diálogo e da paz em nosso continente. Sempre que foi convocada, a Unasul construiu soluções de entendimento para conflito entre países e ajudou a superar tensões politicas desestabilizadoras.

Presta atenção, meu caro Samper: 508 anos depois, nós convocamos para a Bahia a primeira cúpula dos chefes de Estado da América Latina e Caribe sem a presença dos Estados Unidos e do Canadá (aplausos). Ali decidimos criar a Celac, que seria oficialmente constituída na Cúpula da Riviera Maya, no México em 2010. E tivemos o privilégio de ter a participação dos cubanos na Presidência da Celac, único organismo multilateral que os cubanos participam ativamente. A constituição da Celac ampliou ainda mais o espaço de cooperação democrática sobre o qual semeamos o projeto de integração da América Latina e do Caribe. Somos hoje 33 países com a vontade comum de construirmos um futuro à altura dos nossos sonhos e possibilidades e de exercer um papel cada vez mais ativo na comunidade global.

Queridas amigas e queridos amigos, todos os avanços que mencionei são importantes para a evolução histórica do processo de integração, mas não são suficientes. Poderíamos e deveríamos ter feito muito mais. A verdade é que o avanço da integração não está à altura do nosso potencial e, sobretudo, das nossas necessidades.

A crise econômica mundial teve um efeito inibidor sobre a iniciativa de integração. Como se tivéssemos que esperar o fim da crise para voltar a tratar da integração. Estou convencido de que é justamente o contrário. Quanto mais nos integrarmos, melhores serão as nossas condições para enfrentar e superarmos o efeito da crise. A integração não é um problema, ela é parte da solução (aplausos). Longe de mantê-la congelada, esperando tempos melhores, o que temos que fazer é acelerá-la.

É impressionante constatar, por exemplo, quanto tempo o Brasil viveu de costas para os vizinhos do continente, e creio que o mesmo aconteceu com a maioria dos países da região. Durante cinco séculos, tivemos mais conexões com as velhas metrópoles e com os Estados Unidos do que entre nós mesmos: na economia, nos transportes, na política e até no âmbito da cultura e do pensamento. Ficamos apartados um dos outros até fisicamente. Imagine vocês que, somente no meu governo, que no Século 21, é que foram construídas as primeiras pontes fluviais ligando o Brasil ao Peru e o Brasil à Bolívia. Isso tornou possível a conclusão do Eixo Interoceânico Sul, ligando a costa peruana à Amazônia brasileira. E também concluímos o Corredor Bioceânico, do Porto de Arica, no Chile, ao Porto de Santos, no Brasil, passando por território boliviano.

Meu caro Samper, você vai ter muitos problemas, e estarei pronto com você para ajudá-lo a resolver as dificuldades (risos e aplausos). Chega a ser inexplicável que, depois de executar duas obras do tamanho das interoceânicas entre Chile e Brasil e Peru e Brasil, não conseguimos ainda viabilizar a circulação de mercadorias por essas estradas. No primeiro caso, falta uma decisão meramente administrativa do Brasil. No segundo caso, falta um simples acordo com a Bolívia para permitir o trânsito de caminhões de outros países. Ou seja, meu caro Samper, não basta os presidentes quererem. É preciso a burocracia cumprir.

A experiência... Eu estou dizendo isso, porque a experiência me ensinou que não basta firmar acordos e anunciar decisões em cúpulas presidenciais. Não raro, depois que os presidentes retornam aos seus países, a foto oficial é o único resultado palpável de uma cúpula (risos e aplausos).

Para... Permita, meus amigos, dizer uma coisa aqui improvisando. Eu era presidente e eu queria que o Brasil importasse as bananas do Equador. A companheira Dilma vai terminar seu primeiro mandato e ela é favorável à importação das bananas do Equador (aplausos). Foi feito um acordo, acho que em março deste ano, quando se pensava que as bananas do Equador iam chegar ao Brasil, alguns deputados, junto com alguns agentes do Ministério da Agricultura, alegaram, como sempre, problemas fitossanitários, e, portanto foi suspensa a importação de bananas do Equador.

Nós passamos mais de dois anos para importar um pouquinho de garrafas de água do Uruguai e firmarmos acordos. E, quando os caminhões chegavam na fronteira, um fiscal não sei de onde dizia que era preciso cumprir mais alguma coisa, que a água não estava qualificada para ser consumida no Brasil.

Você foi presidente e sabe disso, meu caro Samper. Nosso companheiro da Guatemala também sabe disso. Rafael Correa sabe disso. E todos nós sabemos que... Eu digo sempre que o presidente é como se fosse a locomotiva de um trem e a burocracia é a estação do trem. O trem passa toda hora, cada tempo vem um trem novo, apita mais forte e menos forte, faz mais fumaça e menos fumaça, e a estação esta lá, ela continua qualquer que seja o trem. E nós precisamos adequar as estações aos trens para que as coisas possam funcionar adequadamente (aplausos).

Por isso, é importante repensar o funcionamento dos nossos parlamentos, do parlamento nacional, no que diz respeito aos acordos assinados pelos chefes de estados. Cabe a eles examinar as questões concretas de integração, desde os direitos laborais até as relações comerciais, tendo respeito aos direitos humanos até o compartilhamento de tecnologias.

Da mesma forma, os parlamentos devem criar mecanismos especiais, mais ágeis, para consolidar a aprovação dos acordos feitos entre os governantes. Eu tenho acordo, Samper, que firmei com países como presidente do Brasil, já tendo o mandato acabado. A Dilma já terminou seu primeiro mandato, e esses acordos não foram aprovados pelo parlamento, porque um acordo internacional ele entra na burocracia normal dos projetos nacionais, e é por isso que nós estamos dizendo que deveria criar mecanismos especiais para votar os acordos internacionais.

Queridas amigas e queridos amigos, eu sei que estou demorando, mas eu estava com saudade de vocês (aplausos). E, se eu parar de falar... E, se eu parar de falar, prontamente vocês vão se levantar e vão embora e vão dizer, depois do Chavez falando muito, e depois do Fidel, depois de Chavez, depois de Cristina, depois de Rafael, vem esse chato desse Lula que não é nem presidente mais, e fala. Então eu prefiro que vocês reclamem, mas vou continuar falando (risos e aplausos).

A nossa... Meu caro presidente Samper, veja o desafio que a Unasul tem, e a América Latina: nossa região concentra cerca de 30% do potencial hidrelétrico do planeta. Essa fonte renovável corresponde a 52% da nossa capacidade instalada de geração de eletricidade, que hoje é da ordem de 325 mil gigabytes. Mas ainda não aproveitamos nem 40% desse potencial, construindo usinas e linhas de transmissão para o aproveitamento integral e solidário desse recurso.

Da mesma forma, precisamos integrar a rede de gasodutos e oleodutos para aproveitar o potencial de combustíveis fósseis e também estimular e coordenar a geração a partir de outras fontes de energia renováveis: eólica, biomassa, solar, marinha e geotérmica.

Além disso, para avançar no ritmo necessário à expansão econômica, teremos de ampliar e conectar a rede de comunicação por banda larga entre nossos países.

É muito importante definir novas fontes de financiamento para os projetos estratégicos, mesmo aqueles circunscritos ao território de um só país e que tem importância para a região. Neste sentido, se impõe o pleno funcionamento do Banco do Sul, mas também é preciso valorizar mais as fontes já existentes, nacionais e multilaterais, além de aproveitar as oportunidades abertas pelo novo banco do desenvolvimento instituído pelos BRICS.

Cabe aos países de economias maiores adotarem politicas para facilitar o acesso das economias menores aos seus mercados consumidores. E me permite enfatizar outro grande desafio, meu caro Samper: integrar as cadeias produtivas do nosso continente. Há quem duvide da nossa capacidade para tanto, mas se hoje fabricamos automóveis com partes feitas em diferentes países do Mercosul, por que não seríamos capazes de fazer o mesmo com outras cadeias industriais de valor compartilhadas por diversas nações, contribuindo para superar as assimetrias entre nós? (aplausos)

Esse esforço diz respeito aos governos e suas agências e também aos empresários, ao setor financeiro e ao sindicato de trabalhadores. Nesse sentido, considero importantíssima a Plataforma Laboral das Américas, que os companheiros sindicalistas de toda a região lançaram no mês de maio no Chile.

Queridas amigas e queridos amigos: estes primeiros anos do século 21 marcaram o início de uma nova era para as populações da América Latina e do Caribe. Na maioria dos países que adotaram políticas ativas de distribuição de renda, geração de empregos e inclusão social, a economia cresceu acima da média mundial. O desemprego urbano na região, que alcançava 11.1% em 2003, estava reduzido a 6% no terceiro trimestre de 2014. No mesmo período, o salário mínimo teve um aumento real de 20% na média dos países latino-americanos. O que é mais importante: estamos tirando nossos países do mapa mundial da fome. Reduzimos fortemente a pobreza e a desigualdade. Ampliamos, e muito, o acesso à educação, à saúde pública, ao mesmo tempo em que trabalhamos para melhorar a sua qualidade. Enfrentamos o preconceito e a discriminação com corajosas políticas afirmativas. E tudo isso buscando combinar desenvolvimento econômico e social com sustentabilidade ambiental.

Em suma, em nossos países, cada um a seu modo, estamos distribuindo a riqueza. Isso significa que as populações estão alcançando um novo patamar de direitos de bem-estar e de participação democrática. E esse patamar, não podemos retroceder. Diferente do que ocorria no passado, os países da América Latina estavam melhor preparados para enfrentar a crise financeira global desencadeada em 2008. A maioria dos nossos países rejeitou a receita da recessão e corte nos investimentos públicos que ceifou milhões de empregos e arruinou milhões de famílias ao redor do mundo.

Um estudo da Cepal, com países selecionados da América Latina e Caribe, aponta que, entre 2009 e 2013, tivemos um crescimento médio de 7.8 % na geração de empregos. Se considerarmos apenas os empregos formais, o crescimento foi de 12.5%. Isso mostra o acerto das políticas que se adotamos para enfrentar os impactos da crise global. Políticas soberanas decididas sem a interferência do FMI, cujas imposições infelicitaram toda uma geração de latino-americanos.

Agora estamos em uma nova fase da crise global, marcada pela retroação do comércio externo e do fluxo de investimento a partir dos centros econômicos tradicionais. Temos feito enorme esforço para superar o papel que nos atribuíram no passado, de meros exportadores de produtos primários. O caminho para o futuro passa pelo conhecimento, pela identificação de oportunidades e complementariedades no processo produtivo. Essa transição é crucial não apenas para desenvolver a produção e o mercado intrarregional, mas para alcançarmos maior competitividade na disputa pelos mercados externos. Temos que produzir com mais eficiência, incorporando avanços tecnológicos para agregar valor a nossa produção. Precisamos investir em infraestrutura, para reduzir os custos de logística e energia e equacionar os mecanismos de financiamento da produção. Por isso mesmo, nossa capacidade de avançarmos na integração será determinante para a maneira como nossos países vão enfrentar a fase atual da crise.

A América Latina e o Caribe estão conquistando um novo lugar no mundo. Estamos deixando de ser uma peça menos importante nas relações internacionais. E isso contraria interesses estabelecidos, que reagem duramente ao nosso crescimento comercial, econômico e político. Isoladamente, somos mais frágeis nas disputas políticas e econômicas de ordem global. Juntos, constituímos uma potência com uma população de 600 milhões de habitantes e um PIB superior a 5.5 trilhões de dólares.

Juntos, e somente juntos, temos a possibilidade real de influenciar nas reformas dos organismos multilaterais e de contribuir para uma nova ordem econômica, política global mais justa, equilibrada e democrática (aplausos).

Queridas amigas e queridos amigos, o verdadeiro sentido da integração manifesta-se concretamente na ampliação dos direitos e das oportunidades de cada cidadão ou cidadã, que não deve se limitar mais a seu próprio país. Os eventos históricos de blocos regionais no mundo mostram que eles se consolidam quando seus habitantes podem trabalhar, estudar, empreender e investir em todos os países.

Tão importante quanto a integração política e econômica, é a integração social, a aproximação, o convívio, o intercâmbio, a aliança entre os povos. Quando o cidadão comum se sentir parte integrante e beneficiário direto  desse processo, aí sim, estaremos forjando uma verdadeira vontade popular pela integração, uma nova cidadania conscientemente latino-americana (aplausos).

Por isso, é imprescindível fomentar o diálogo e a cooperação entre as nossas universidades, os nossos cientistas, artistas e os mais diversos movimentos sociais. A nova etapa do processo de integração exige uma visão de longo prazo sobre as questões estruturais do nosso desenvolvimento. Planejar o futuro é vital para construí-lo. Só assim daremos o salto de qualidade que a nossa região tanto almeja.

Hoje, nosso principal desafio é construir um pensamento estratégico latino-americano e caribenho, um projeto integrador mais ousado, que aproveite toda a nossa conformidade de riqueza histórica material e cultural.

Queridos companheiros e queridas companheiras, finalmente, estou terminando. Vocês sabem que eu fui prejudicado pelo intérprete, porque o meu discurso tinha 24 minutos, mas como tivemos que fazer dois discursos, demorou 48. Então a culpa da demora é do intérprete (aplausos).

Mas eu queria expressar, Samper, algumas inquietações. Eu não sei se um ex-presidente tem o direito de falar, mas eu participei ativamente da construção do que nós estamos colhendo hoje. Eu viajei como jamais algum presidente da República de outro país viajou por toda a América Latina, por todos os países (aplausos). Não apenas enquanto presidente. Depois que eu deixei a Presidência eu já viajei outra vez por todos os países da América do Sul e América Latina. Visitei 39 países africanos e acreditei que era possível, que nós seríamos mais fortes na hora que nós descobríssemos que ninguém, ninguém a não ser nós mesmos poderíamos cuidar dos nossos interesses.

Durante séculos e séculos, reis, príncipes ficaram acreditando no nosso continente, presidentes e mais presidentes, que, um belo dia, um país rico iria nos adotar. E ficava todo mundo olhando pra Europa, todo mundo olhando pros Estados Unidos e o Brasil achava que os países da América Latina eram inimigos, e os países da América Latina pensavam que o Brasil era inimigo. E os países mais ricos cada vez mais plantavam discórdia entre nós, porque uma forma de reinar é dividir. Até que um belo dia esse continente elegeu o companheiro Hugo Chavez, elegeu Kirchner (aplausos) (...)

[Corte – trecho sem áudio disponível]

Ele [Obama] me chamou várias vezes por telefone, perguntando se ia ter algum problema com a participação dele em [reunião da Cúpula das Américas em] Trinidad & Tobago, como é que os revolucionários iriam tratá-lo, como é que Chavez iria tratá-lo, como é que o Daniel Ortega ia tratá-lo, como é que ele ia ser recebido. E eu dizia: “Companheiro Obama, você vai ser recebido da forma mais civilizada que um ser humano pode receber alguém” (aplausos).

Tivemos a abertura do encontro, e o presidente Obama e os assessores sempre preocupados: quem é que ia fazer o discurso mais agressivo contra ele. Ninguém feriu, nenhuma agressão. Ele foi tratado melhor do que foi tratado pelos republicanos nos Estados Unidos (aplausos). A única agressão que ele recebeu, na reunião que 12 presidentes fizeram com o Obama, foi a entrega do livro “Veias abertas da América Latina” (aplausos).

E nós aprendemos que nós não somos insignificantes. Nós somos seres humanos que temos o direito de ter acesso aos mesmos bens materiais que eles têm, de construir os nossos processos de desenvolvimento, o nosso modelo econômico, tomar as nossas decisões a partir da vontade do nosso povo e não ser agredido, como muitas vezes fomos agredidos por coisas que fazemos dentro do nosso país.

Vamos imaginar a decisão de um juiz americano valorizando mais os fundos abutres do que a decisão soberana do governo argentino (aplausos). Vamos imaginar que a Inglaterra não teria nada de estar nas Ilhas Malvinas, que aquilo é território argentino (aplausos). Vamos imaginar que nós sabemos cuidar do nosso nariz.

Eles ficam incomodados. Como é que nós... Como é que um metalúrgico do Brasil conseguiu, junto com mais quatro anos da Dilma, criar 22 milhões de empregos formais no nosso país? Tirar 42 milhões de pessoas da extrema pobreza? Acabar com a fome no nosso país (aplausos) e ter a melhor taxa de desemprego no auge da crise, menos do que a Europa, menos do que os Estados Unidos. Apenas 4.6% de desemprego. Como é que pode um metalúrgico sem diploma universitário e uma mulher guerrilheira, que foi torturada durante tantos meses, conseguir fazer em 12 anos o que eles não conseguiram em séculos (aplausos).

Faz 12 anos que eu ouço dizer que a Argentina tá quebrada, a Argentina não passa de amanhã. Se passar de amanhã, não passa de depois de amanhã. Quem fala isso, não conhece a dignidade e a história do povo argentino. Deixem a Argentina cuidar da sua economia. Que os fundos abutres vai cuidar da Europa, que tá numa crise profunda (aplausos).

Como é que eles podem suportar... Como é que eles podem suportar a ideia de um jovem menino economista, que eu conheci quando era candidato a presidente, consertar a economia do Equador? (aplausos) O que eles não suportam é como pode um cidadão que ficou preso 14 anos, dos quais seis anos sem comunicação, o nosso querido Pepe Mujica virar presidente do Uruguai? (aplausos) Como é possível imaginar que um índio cocaleiro, em quem eles não acreditavam em hipótese alguma, estabilizou pela primeira vez a economia da Bolívia? (aplausos)

Eu sei que eles têm razão de estarem preocupados. Meu caro Samper, no meu país, o meu partido, ao terminar o mandato da Dilma, será o partido que mais tempo ficou no poder no meu país. E isso é inaceitável.

Eles não imaginavam que o presidente Santos fosse capaz de construir a paz na Colômbia. Eu estou convencido que os inimigos da paz na Colômbia irão ser derrotados pela sensibilidade do próprio povo colombiano. A paz acontecerá e este continente, que foi desprezado durante tanto tempo, que foi tratado como continente de gente de segunda categoria, vai se transformar no continente que mais vai prevalecer a paz no século 21 (aplausos).

E por isso, Samper, a tarefa da Unasul é muito grande. E eu espero que você tenha a compreensão dos presidentes da Unasul, porque não tem sentido, em pleno Século 21, num conflito entre dois países da América do Sul, a gente recorrer à Corte de Haia ou a gente recorrer à OEA. Nós temos é que criar instituições nossas, que possam resolver todos os nossos conflitos (aplausos). E permitir que nossos povos possam transitar livremente de um país para outro país. Já tá provado que não é a ação militar que vai resolver o problema das drogas. O que vai resolver é geração de empregos, é distribuição de renda, é reforma agrária (aplausos), é acesso a um pouco de terra terra pra trabalhar e que tenha crédito para produzir.

Gente do céu: somente nós é que poderemos, com a nossa inteligência, dar uma demonstração ao mundo que fale em paz. Nós já fizemos duas guerras mundiais. Quem proíbe arma nuclear, mas quem mais proíbe foi o único que usou. Pois bem, companheiros, nós não queremos armas nucleares, não queremos guerra. Nós queremos trabalho, educação, salário, renda, saúde, queremos viver em paz (aplausos). Se não podem nos ajudar, por favor, não nos atrapalhem. Nós saberemos conduzir o nosso futuro. (inaudível) e boa sorte (inaudível). (aplausos)

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