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Colaborador do Instituto escreve livro sobre experiências progressistas no Chile

Renato Martins assina o livro sobre o país andino na série Nossa América Nuestra, da Fundação Perseu Abramo


Colaborador do Instituto escreve livro sobre experiências progressistas no Chile

As experiências progressistas desenvolvidas na América Latina desde o início do século ganharam um elemento a mais de estudo e elaboração com o lançamento da série Nossa América Nuestra, da Fundação Perseu Abramo. Além dos livros que foram lançados no final de julho com as experiências de governos de esquerda e centro-esquerda de Bolívia, Uruguai, Cuba, e Chile, também serão lançados livros sobre Venezuela, Argentina e Paraguai.

Para falar sobre a coleção, conversamos com o autor do livro sobre o Chile na série, José Renato Vieira Martins, professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) e colaborador do Instituto Lula. Martins ressalta que a importância da publicação reside no fato de que ela foi pensada para ser didática: “a iniciativa pretende ser útil para os especialistas, que já conhecem o assunto, mas foi pensada especialmente para uma nova geração de militantes políticos e sociais e estudantes de ciências sociais que se interessam pelo assunto”, diz.

Nessa entrevista, Renato também resgata o legado da política externa conduzida pelo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 – 2011), quando o país “teve um papel de liderança compartilhada no giro do Mercosul para os temas sociais, assim como na criação da Unasul [União das Nações Sul-Americanas] e da Celac [Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos]”, e discorre sobre o atual cenário, de avanço do conservadorismo na região e a importância do trabalho realizado pelo Instituto Lula como facilitador do debate sobre a integração Latino-Americana. Confira:

Instituto Lula: Primeiramente, gostaria que o senhor apresentasse a série Nossa América Nuestra da Fundação Perseu Abramo.

José Renato Vieira Martins: Nossa América Nuestra é uma louvável iniciativa editorial da Fundação Perseu Abramo que visa fazer um balanço do chamado progressismo latino-americano. Os primeiros quatro volumes já foram publicados e encontram-se disponíveis no site da fundação. Esta primeira ‘fornada’ contém estudos sobre as experiências de governos de esquerda e centro esquerda em: Bolívia (escrito por Igor Fuser), Uruguai (Maria Silvia Portella de Castro),Cuba (Wladimir Pomar) e Chile, que me coube redigir. Estão sendo preparados livros sobre a Venezuela, a Argentina e o Paraguai, entre outros. Além do já mencionado balanço do progressismo latino-americano, estes estudos têm em comum o tratamento didático e informativo que os reveste. A iniciativa pretende ser útil para os especialistas, que já conhecem o assunto, mas foi pensada especialmente para uma nova geração de militantes políticos e sociais e estudantes de ciências sociais que se interessam pelo assunto. Iole Ilíada e Gustavo Codas, vice-presidente e assessor da Fundação Perseu Abramo, respectivamente, são os coordenadores da coleção.

Qual a importância e contribuição desse trabalho na atual conjuntura latino-americana?

Quando estiver concluída, acho que a coleção trará uma contribuição valiosa e oportuna. A conjuntura que atravessamos prossegue caracterizada pela disputa do projeto democrático-popular – baseado na radicalização democrática e inclusão social – e o projeto neoliberal, de corte privatista e excludente. Essas diferenças também se manifestam na política externa, opondo os governos que apostam na integração regional àqueles que advogam pelo alinhamento com os países centrais e defendem a adesão aos mega-acordos de liberalização comercial. Na prática, isto equivaleria a um retorno da Alca [Área de Livre Comércio das Américas], iniciativa já rejeitada pelos povos da região.

Nos últimos 25 anos, o progressismo latino-americano cumpriu um papel crucial na luta pela democracia, inclusão social e integração soberana da América Latina. O Brasil, particularmente no governo Lula, teve um papel de liderança compartilhada no giro do Mercosul para os temas sociais, assim como na criação da Unasul [União das Nações Sul-Americanas] e da Celac [Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos]. Por isso, no atual contexto de avanço conservador – que diga-se de passagem está acontecendo no mundo todo e não só na América Latina –, é fundamental refletir sobre essas experiências de governo, fazer um balanço de seus avanços e limites, com vistas a pensar o futuro do progressismo na região. Acho que a coleção pode ser muito útil nesse sentido.

Em seu trabalho sobre o Chile, o que mais chamou a atenção quando pensamos no atual momento que vive a América Latina?

Em primeiro lugar, é preciso dizer que o progressismo chileno, sob todos os aspectos, constitui uma experiência extraordinária. Inúmeros analistas consideram este país uma espécie de laboratório latino-americano, onde foram levados ao paroxismo os diferentes projetos aos quais me referi anteriormente. Por isso, ao contrário dos demais volumes, que se ativeram ao século XXI, o estudo sobre o progressismo chileno se inicia no século passado, com a chamada via chilena ao socialismo.

O livro trata, na verdade, da presença do progressismo ao longo de três Chiles diferentes: o Chile Socialista, de Allende; o Chile Autoritário, de Pinochet, e o Chile Atual. Este período mais recente, que se inicia com a volta da democracia, em 1990, compreende os quatros governos da Concertación, coalizão de centro-esquerda integrada pelo Partido Socialista, a Democracia Cristã e o Partido Pela Democracia. A regressão conservadora experimentada sob o governo de Sebastián Piñera, da Renovação Nacional, teve fôlego curto (2010-2014), e Michele Bachelet retornou ao La Moneda para um segundo mandato à frente de uma nova coalizão de centro-esquerda, desta vez denominada Nueva Mayoría, agora com a participação do Partido Comunista.

Em que pese as particularidades nacionais, são evidentes os pontos em comum entre o Chile e o restante da América Latina. A título de exemplo, podem ser mencionados os vínculos entre a via chilena ao socialismo, sob o comando de Allende no governo da Unidade Popular (1970-1973), e a luta anti-imperialista que se irradiou pela região sob a influência da Revolução Cubana. Mais recentemente, também são evidentes as correspondências entre a contrarrevolução neoliberal iniciada no país durante a ditadura (1973-1989) e a onda conservadora que se propagou pela América Latina e o mundo nos anos 1990. Estes vínculos permanecem atuais e explicam parte das dificuldades que o segundo governo de Bachelet vem enfrentando para levar a diante o programa de reformas em meio à maior onda conservadora que se abateu na região.

É possível traçar algum paralelo entre as situações vivenciadas por Chile e Brasil?

Em 2014, Michele Bachelet e Dilma Rousseff foram eleitas para um segundo mandato em meio à mais persistente crise do capitalismo mundial. O impacto da crise sobre a economia latino-americana, mitigado em alguns países por meio de políticas anticíclicas, agravou-se nos últimos anos, desacelerando o crescimento econômico e propiciando o ambiente favorável ao realinhamento das forças conservadoras. No Brasil, sabemos aonde este realinhamento levou o país. No Chile, embora não existam os mesmos sinais de golpe de Estado que prosperou por aqui, a situação política também está bastante polarizada. Os governos da Concertación, como é sabido, não fizeram as reformas econômicas e institucionais de reversão do modelo neoliberal. Em consequência, o país é a única democracia do mundo que tem uma Constituição promulgada durante a ditadura.

Enquanto as esquerdas em outras partes da América do Sul foram extremamente críticas ao neoliberalismo, o Chile é o país em que a esquerda mais se aproximou do social-liberalismo. Na ausência de reformas econômicas estruturais e mudanças institucionais, o país assistiu à consolidação democrática ser acompanhada pela consolidação dos chamados "enclaves autoritários", como é o caso do sistema eleitoral binomial, instituído pelo [ex-ditador Augusto] Pinochet (1973-1990) e vigente até hoje. Chamei de "progressismo resignado" o experimento chileno em razão dessas particularidades.

Bachelet retornou ao La Moneda com um programa de mudanças, disposta a enfrentar as tarefas pendentes desde a transição. Prometeu uma nova Constituição e um conjunto de reformas, com a Reforma Tributária, a Reforma Educacional, e a Reforma Eleitoral. Dada a resistência da oposição de direita a estas reformas, bem como a falta de apoio no Congresso nacional dos partidos da base, especialmente de deputados da DC e do PPD, é pouco provável que o governo consiga concluí-las nos dois anos que lhe restam. Um eventual fracasso do governo pode aumentar o risco de retorno da direita ao poder, uma vez que não estão suficientemente amadurecidas as alternativas de esquerda, como são os recentes experimentos de Revolución Democrática e Izquierda Autônoma, partidos nascidos das mobilizações estudantis que sacudiram o país contra a mercantilização do ensino. Por fim, nunca é demais lembrar quando se trata dos traços em comum entre esses dois países, que ambos são governados por mulheres de esquerda, divorciadas, que em algum momento foram presas e barbaramente torturadas por defender seus ideais[1].

Como colaborador do Instituto Lula e um dos autores da série, como vê as contribuições do instituto nas formulações sobre políticas regionais?

O Instituto Lula teve um papel extraordinário nos últimos cinco anos no sentido de estimular a reflexão sobre a América Latina, divulgar o debate sobre a integração latino-americana e manter conectada uma rede de militantes políticos, autoridades de governo, intelectuais e representantes de movimentos sociais – do Brasil e demais países latino-americanos – sobre a evolução política e econômica, social e cultural da América Latina.

Quando as condições internacionais e regionais já não eram tão favoráveis à integração regional, num contexto de agravamento da crise internacional e mudanças políticas locais, o instituto manteve vivo o debate sobre a integração latino-americana e animou uma rede de representantes de movimentos sociais e partidos políticos, autoridades de governo e organismos regionais, intelectuais e estudantes voltada para a discussão de políticas de integração da infraestrutura física, a integração produtiva ou integração política, econômica, social e cultural da América Latina.

Em sua visão, qual o impacto das mudanças que a política externa do ex-presidente Lula provocou na forma como lidamos com a região?

Juntamente com os demais presidentes que foram contemporâneos de Lula no governo de seus países, a começar por Néstor Kirchner (2003-2007), na Argentina, e Hugo Chávez (1999-2013), na Venezuela, o ex-presidente Lula teve um papel crucial como impulsionador das políticas de integração da América Latina, especialmente da América do Sul, às quais vieram a se somar os presidentes Tabaré Vázquez (2005-2010) e José Pepe Mujica (2010-2015), no Uruguai, Fernando Lugo (2008-2012), no Paraguai, Evo Morales (2006 -  ), na Bolívia, Michele Bachelet e Ricardo Lagos (2000 – 2006), no Chile, e Rafael Correa (2007 - ), no Equador. Isso sem falar na América Central e Caribe, com os governos de Nicarágua, Honduras, El Salvador e Cuba. A resistência à Alca, o giro social do Mercosul, a criação da Unasul e da Celac fazem parte desse legado que ficará registrado para sempre na história e na memória coletiva de todos os latino-americanos.

No que concerne à educação superior, como professor universitário, não poderia deixar de mencionar a criação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), experimento solidário de internacionalização e democratização do ensino público, inteiramente voltado para a integração da América Latina e Caribe. Criada em 2010, hoje a Unila conta com mais de dois mil estudantes, grande parte deles constituída por estrangeiros, oriundos de 12 países latino-americanos além do Brasil, matriculados em um dos 16 cursos oferecidos pela Universidade, como Medicina, Saúde Pública, Energia Renovável, Biologia, Relações Internacionais, Economia, Cinema e Música, entre outros, além de cursos de especialização e pós-graduação. Estou convencido de que, no longo prazo, a consolidação da Unila trará os impactos mais duradouros na forma como lidamos com os países vizinhos e com a integração da América Latina.

[1] No momento em que concedeu esta entrevista, a presidente brasileira Dilma Rousseff ainda não havia sido deposta do cargo, o que ocorreu em 31 de agosto, com aprovação do processo de impeachment pelo Senado nacional

Links para os livros já lançados da coleção:

Chile - Coleção Nossa América Nuestra 
Bolívia - Coleção Nossa América Nuestra 
Cuba - Coleção Nossa América Nuestra 
Uruguai - Coleção Nossa América Nuestra 

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