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Conversas sobre África: combater o racismo do presente para garantir o desenvolvimento no futuro

Debate organizado pelo Instituto Lula reafirma que não haverá desenvolvimento sustentável para o Brasil com discriminação


Conversas sobre África: combater o racismo do presente para garantir o desenvolvimento no futuro

Foto: Claudio Santos/Instituto Lula

A Iniciativa África do Instituto Lula realizou, na noite desta quarta-feira (24), a sexta edição de “Conversas Sobre África”, série de seminários sobre as questões ligadas à cooperação entre o Brasil e o continente africano. O tema do encontro, realizado em parceria com o Olodum, a Coordenação Nacional de Entidades Negras - Conen e o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, foi: “As raízes históricas e o combate ao racismo do Brasil”.

Com a participação das historiadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, do secretário-executivo da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, Giovanni Harvey, do presidente do Olodum, João Jorge Rodrigues, e do diretor da Conen, Gilberto Leal, o encontro traçou um panorama histórico da construção do racismo no Brasil e das ações presentes e futuras para combater as consequências da discriminação no país.

“O tema de hoje não foi escolhido por acaso: o racismo no Brasil é um tema muito atual. Nos últimos anos, houve acirramento da luta política em todas as áreas, inclusive da intolerância racial. Isso atrapalha o desenvolvimento do país e coloca em risco conquistas importantes do último período”, ponderou Celso Marcondes, diretor do Instituto Lula, na fala de abertura.

Lilia e Heloísa, autoras do livro “Brasil: Uma Biografia” fizeram uma apresentação sobre a forma como a escravidão no país foi “maquiada” na narrativa histórica brasileira, inclusive nos registros de imagem, por meio de pinturas e fotografias montadas pelos escravagistas: desde o princípio, houve a construção do que as professoras chamam de “suposto da submissão”, conceito que afirma que os escravizados são cúmplices de sua exploração.

“Esse sistema construiu um racismo dos mais perversos. O que é o racismo, na verdade? Não a constatação da diferença, mas a desqualificação do outro. A maneira como ensinamos a Lei Áurea, não como conquista, mas como dádiva, tem consequências no presente. Um racismo silencioso, que sempre joga para o outro a responsabilidade”, afirmou Lilia.

Heloísa ressaltou que, além da forma como as histórias são contadas, a construção do racismo no Brasil passou também pelas histórias que não são expostas à maioria dos brasileiros. “Entre 1807 e 1835, por exemplo, houve cerca de 40 tentativas de sublevações e levantes, das quais não ouvimos falar”, disse. “Existe uma linguagem muito rica das lutas de resistência, com grandes personagens anônimos, e que são importantes que a sociedade conheça e tenha orgulho”, completou, relembrando que, antes da Inconfidência Mineira, a Conjuração Baiana, movimento de negros e pobres, foi o primeiro no país a correlacionar a República à Democracia, e as lutas de independência às lutas por igualdade.

“A cultura é muito importante para a luta política. A cultura é essência e riqueza”, ressaltou João Jorge Rodrigues, do Olodum. “E onde há riqueza e há opressores, não há igualdade, nunca. O racismo é uma das maiores ferramentas de desigualdade em todos os países do mundo. Aqui mesmo. Basta ver que os terreiros de candomblé foram perseguidos por 430 anos neste país. Onde os jovens negros fazem música e cultura, baixa a polícia”, exemplificou.

Gilberto Leal, do Conen, complementou a observação sobre o paradoxo da discriminação aos negros no Brasil. “Não tem forma de pensar o desenvolvimento brasileiro que não tenha no seu centro a maioria da população brasileira, que é a população negra. Nós somos 48% da força de trabalho nacional. Não tem transformação e desenvolvimento de um Brasil melhor sem passar necessariamente por nós”, afirmou.

Giovanni Harvey, da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, apontou que o governo tem avançado no combate ao racismo, mas nem sempre cabe a ele tomar a iniciativa: “como oriundo dos movimentos sociais, não vejo o Estado como agente de transformação. Ele é um agente de reação, que reage de acordo com quem integra o governo vigente, de uma forma ou outra”, ponderou.

Ainda assim, disse ver avanços desde a redemocratização: “No passado, havia algumas políticas voluntaristas, que dependiam da vontade dos governos locais, mas não tinham arcabouço funcional. Com Sarney, houve uma ação pontual, centrada na cultura. No governo de Fernando Henrique Cardoso, houve diversas ações tópicas, mas sem relação entre si, que não se projetavam para o conjunto do governo”, resumiu. “A partir do governo Lula, tivemos a transversalização das políticas públicas, organizadas entre diversos órgãos federais e também dos estados e municípios”.

Entre essas ações amplas, que envolveram também a sociedade civil, Harvey relembrou as conferências nacionais de promoção de igualdade racial em 2005, 2009 e 2013, a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial em 2010 e a articulação do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que levou às cotas em concursos e universidades públicas.

“Ainda convivemos com iniciativas voluntaristas, pontuais e tópicas. Ainda falamos de transversalidade, que ainda não é o ideal, mas algumas ações já se tornam sistêmicas: ou seja, não dependem de um órgão irradiador para todo o governo, mas se traduz como absorção do tema entre todos os órgãos do governo”, ponderou. Este movimento, segundo Harvey, corrigirá o desvio histórico das políticas sociais brasileiras: embora desenhadas para serem universais, não chegam a todos da mesma forma por conta das desigualdades sociais, inclusive as provocadas pelo racismo. “Quando estivermos fazendo o diagnóstico correto, não precisaremos mais de política afirmativa apenas para levar a política universal a todos, de fato”, concluiu.

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