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Criminalização de ocupações pode justificar despejos

Após desabamento de prédio no centro da capital paulista, entidades temem que vítimas sejam culpabilizadas


Criminalização de ocupações pode justificar despejos

Prédio de 24 andares desabou após incêndio no Largo do Paissandu em São Paulo / Paulo Pinto / Fotos Públicas

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Por Rute Pina
Para o Brasil de Fato 

Os movimentos populares de moradia da cidade de São Paulo (SP) temem que a criminalização das ocupações abra precedente para uma série de ações de despejo no centro da capital paulista.

As organizações se reuniram nesta terça-feira (1º) após o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandú, onde viviam cerca de 150 famílias. O incidente, que ocorreu após um incêndio durante a madrugada, deixou pelo menos uma vítima e o Corpo de Bombeiros ainda procura por desaparecidos entre os escombros.

Participaram do encontro a Frente de Luta por Moradia (FLM); a Central dos Movimentos Populares (CMP); a Frente Povo Sem Medo; o Observatório das Remoções, entre outros. As entidades, que se reuniram na Ocupação São João, local próximo ao incêndio, se solidarizaram com as famílias e repudiaram declarações do governador Márcio França (PSB).

Após o incêndio durante a madrugada, França declarou que viver em ocupações era “procurar encrenca” e que é preciso “convencer as pessoas a não morar desse jeito”.

Benedito Roberto Barbosa, advogado e membro da União dos Movimentos por Moradia (UMM), pondera que, desde o desabamento do edifício, os órgãos públicos culpabilizaram as vítimas e os veículos de comunicação comercial construíram uma narrativa que pode justificar reintegração de posse na região.

“Isso vai ter um impacto e a tentativa vai ser despejar as ocupações”, alertou o coordenador da UMM. “O que existe de moradia foi muito pela ocupação e luta dos movimentos. Isso não vai parar de forma alguma e a gente não vai aceitar essa tentativa de culpabilização e criminalização dos movimentos, nós queremos solução de moradias.” 

Corpo de Bombeiros ainda trabalha no local. Paulo Pinto / Fotos Públicas

A Prefeitura de São Paulo não tem um levantamento oficial e preciso da quantidade de cortiços, moradias precárias e ocupações no centro da cidade. O dirigente estima que existam mais de 80 ocupações de prédios na região central da capital paulista.

Mais cedo, o ex-prefeito de São Paulo João Doria, candidato tucano ao governo, disse que a "solução" é evitar novas "invasões". Doria estava em Ribeirão Preto, interior do estado, participando de uma feira ligada ao agronegócio. O ex-prefeito disse ainda que "parte da invasão" teria sido feita por uma "facção criminosa", mas não detalhou ou esclareceu a denúncia.

Tragédia anunciada

Inaugurado em 1966, o prédio de 24 andares que desabou é patrimônio da União e já foi utilizado como sede da Polícia Federal e uma agência de atendimento do INSS (instituto Nacional do Seguro Social). O edifício foi tombado em 1992. 

Desde 2001 estava esvaziado e foi ocupado pelas famílias, sem nenhum vínculo com movimentos organizados de moradia, em 2012.

No ano passado, o prédio foi cedido à Prefeitura de São Paulo, que chegou a realizar o cadastramento das famílias em março deste ano.

Para o pesquisador Luiz Kohara, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e da UFABC, os órgãos públicos se isentaram da responsabilidade da tragédia. 

Diferente de outras ocupações em locais que antes eram apartamentos ou hotéis, o edifício comportava muitas áreas de vãos-livre, característica que ajudou o fogo se alastrar rapidamente, segundo Kohara.

"Nos estudos preliminares da viabilização, não era um prédio adequado para habitação. Como era vãos grandes, tinham muitas divisórias de madeirites e de materiais bastante inflamáveis. Era um prédio que já apresentada situação de risco. O setor público já tinha conhecimento dessa situação de risco, não é de hoje", apontou.

O Corpo de Bombeiros já havia produzido um relatório sobre a situação crítica do edifício e encaminhou para o Ministério Público, em 2015. No documento, o órgão apontava rotas de fuga obstruídas e problemas com a instalação de gás do prédio. 

O pastor Frederico Ludwig, da igreja luterana localizada ao lado do edifício e que também foi atingida, contou que já também havia alertado a administração municipal sobre as condições do local. 

Ação preventiva

Evaniza Rodrigues, pesquisadora e militante do movimento de moradia, defende que a Prefeitura poderia ter trabalhado com soluções paliativas, com a ação da Defesa Civil, para evitar a tragédia.

"Existem políticas que poderiam ser feitas, por exemplo, ajudar a organização da rede elétrica, fazer rotas de fugas. Existiu algo muito semelhantes nas favelas de São Paulo, onde houve uma sequência de incêndios na década passada incêndios criminosos e outros por acidentes e que gerou a necessidade de ter uma defesa civil especializada para manutenção das famílias nas favelas", recordou.

Em coletiva de imprensa, a administração municipal informou que ofereceu albergues às famílias, que não aceitaram a medida. A Prefeitura afirmou que vai encaminhar as famílias desabrigadas para o recebimento do bolsa-aluguel, no valor de R$1,2 mil no primeiro mês e de R$400 nos meses seguintes.

Parte das famílias estão acampadas no Largo do Paissandú. Rovena Rosa / Agência Brasil

Luiz Kohara afirma que o Poder Público tem que dar uma alternativa concreta e definitiva de moradia para as famílias. "Eles não podem simplesmente chegar para as pessoas e falar para eles irem para o albergue porque elas não aceitam, porque eles [os albergues] não são adequados para famílias, não têm condições e autonomia", disse o pesquisador.

Para Evaniza Rodrigues, pessoas em situação de vulnerabilidade procuram áreas de riscos e ocupações de prédio quando não têm nenhuma alternativa. "Esse conjunto de omissões nas políticas de habitação, nas políticas para as áreas centrais é que faz com que as pessoas não tenham alternativa recorram a situações degradantes e perigosas de habitação", afirmou.

A deputada federal Ana Perugini (PT-SP) também esteve presente na reunião dos movimentos populares e prometeu levar o assunto à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal.

De acordo com a Secretaria Municipal da Habitação de São Paulo, o déficit habitacional da cidade de São Paulo é de 358 mil moradias. Estudos de entidades ligadas ao movimento de moradia, estimam seria possível a adaptação de 400 mil unidades de moradia nos prédios abandonados ou sem função social. Ou seja, o déficit habitacional poderia ser resolvido sem que as famílias tivessem que deixar a região central da cidade.

Edição: Juca Guimarães (BDF)

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