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"Democratizar a comunicação", por Rui Falcão

Palestra sobre mídia democrática no escritório do deputado Carlos Neder em 23 de julho de 2017


"Democratizar a comunicação", por Rui Falcão

Rui Falcão em fevereiro de 2016. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Por Rui Falcão
Ex-deputado federal e estadual por SP e ex-presidente do PT

“Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma”- Joseph Pulitzer, 1847–1911.
“A grande imprensa é o aparelho privado de hegemonia do capital”- Gramsci

Atuar para democratizar a comunicação do País é um elemento estratégico para a defesa da própria democracia. Como se sabe, o monopólio dos meios de comunicação (vedado pela Constituição Federal) viola a liberdade de expressão e nega à maioria do povo o acesso à informação e ao conhecimento. Além disso, eles vêm cada vez mais servindo aos interesses políticos e econômicos do grande capital, assumindo o papel de partido político dos conservadores e da direita. Seu papel no golpe contra Dilma foi fundamental.

Vamos fazer um breve retrospecto da parcialidade e a serviço de quem a mídia se coloca, para ressaltar ainda mais a necessidade de uma regulamentação que democratize os meios de comunicação.

  1. Durante a CPI destinada a criminalizar o MST, em 2011, o movimento é citado negativamente na mídia em 60% das menções.
  2. Em 1982, as Organizações Globo, Rede Globo à frente, tentaram fraudar as eleições contra Brizola, no famoso caso Proconsult.
  3. Em 1964, os grandes meios apoiaram o golpe civil-militar.
  4. Em 2009, a FSP divulgou um dossiê “fake”contra Dilma, tentando enfraquecê-la na disputa eleitoral.
  5. Em 2013, engrossaram o movimento depois que o MPL se esvaziou e as ruas foram ocupadas pela direita organizada.
  6. A prova cabal da parcialidade, da partidarização e do desmascaramento da propalada “objetividade” foi colhida em 2010, na fala da então presidenta da Associação Nacional de Jornais, Judith Brito, ligada à FSP: “Na situação atual em que os partidos de oposição estão muito fracos, cabe a nós dos jornais exercer o papel dos partidos”.

Além do papel político-ideológico, ao moldar comportamentos, gostos, hábitos de consumo, a mídia tem também peso econômico significativo. O faturamento publicitário, por exemplo, é um bom indicador do volume de negócios que ela movimenta.

De 2010 a 2016, este indicador cresceu de R$ 1,12 trilhão para R$ 1,48 trilhão, apesar da crise e da recessão. O setor, ainda, é um gerador potencial de empregos, pois, segundo o Banco Mundial, para cada US$ 5 bilhões investidos em infraestrutura de comunicação geram-se de 100 a 250 mil empregos diretos 2,5 milhões de indiretos.

Todo o setor e suas tecnologias representam cerca de 10% do PIB nacional. A comunicação, também, é uma das bases pelas quais o grande capital se organiza e se reproduz.

É voz corrente entre os proprietários (e mesmo entre alguns jornalistas) que não há necessidade de regulação, pois o setor se auto-regula. Ao mesmo tempo, qualquer tentativa de regulação é apontada como censura ou, mesmo, atentado à liberdade de imprensa, de expressão de pensamento, ataque à democracia e à Constituição.

Na verdade, regular significa estabelecer leis, procedimentos, regulamentos, deveres e direitos. Alguma regulação até já existe, como é o caso dos artigos 5, 54, 220, 221, 222, 223 da Constituição de 1988 que versam sobre a comunicação social.

“Art. 220 parágrafo 2º — É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Na Constituição Federal também se estabelece que o prazo para as concessões de rádio é de 10 anos e de 15 anos para as TVs. Mas são necessários 2/5 dos votos no Congresso, em votação nominal, para não renovar uma concessão…

O direito à comunicação, que é um direito fundamental, abrange tanto a liberdade de expressão quanto o direito à informação. Por isso, o Estado tem o dever de garantir as condições para que o maior número de pessoas possa se colocar e influir no debate público através dos meios de comunicação.

Na Inglaterra e nos EUA, a comunicação é considerada, respectivamente, serviço público e interesse público. Na Europa, rádio e TV nasceram como monopólio estatal, mantido através de cobrança de taxas da população, à semelhança os serviços de abastecimento de água e de iluminação. Nos anos 80, abriram para a iniciativa privada, mas com regras e obrigações severas.

Já nos EUA, o sistema nasceu comercial, mas com licenças concedidas pelo Estado. Lá, por exemplo, existia a proibição de propriedade cruzada, mas a partir de 2006, esta regra foi flexibilizada e passou a ser avaliada caso a caso.

É bom saber que a liberdade de expressão não é absoluta. Na Noruega e Suécia, a publicidade para crianças é proibida. Na Áustria e na Bélgica, são proibidos anúncios antes e imediatamente depois dos programas infantis. Em Portugal, existe o direito de antena. No Canadá, 60% da programação de TV tem de ser nacional; no rádio, 35% da programação deve contemplar artistas canadenses. Mesmo no Brasil existe a restrição de horários para determinados conteúdos. E em São Paulo, Alckmin impede na Alesp ou veta qualquer restrição à defesa de crianças e consumidores sob o argumento de vício de iniciativa ou de inconstitucionalidade…

Há uma longa luta para democratizar os meios e a elite dominante resiste. Em 1962, quando foi elaborado o Código Brasileiro de Telecomunicações, que em grande parte ainda vigora, o presidente João Goulart sancionou-o com 52 vetos — todos eles derrubados no Congresso graças a uma articulação de grandes proprietários que deu origem à Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão).

Na Constituinte de 1988 travou-se uma grande batalha e, a muito custo, introduziu-se um capítulo que ainda depende de regulamentação, mudanças e que seja cumprido. Ali estão estabelecidas algumas diretivas e regras, insuficientes mas que servem de base para um avanço na democratização da mídia.

O artigo 222 parágrafo 5º proíbe monopólios e oligopólios na comunicação social (mas até hoje não se editaram leis para configurar o que são!). O 221 exige que se promova a produção regional independente(mas quase 90% da produção dos programas estão concentrados no eixo Rio-SP).O artigo 223 dispõe sobre a necessária complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal (mas até hoje, à exceção da Empresa Brasil de Comunicação e da TV Brasil pouco existe de serviço público. Já o artigo 54 proíbe que parlamentares sejam proprietários de emissoras de rádio e TV (algo que, obviamente, não vem sendo obedecido). A Constituição Federal instituiu também um Conselho Nacional de Comunicação Social, como órgão auxiliar do Congresso Nacional, totalmente esvaziado e limitado na sua composição e atribuições. Ademais, estabeleceu um alto quorum para a não-renovação das concessões.

Antes da Constituinte, em 1995 o governo FHC já privatizara o sistema Telebrás e, posteriormente, promoveu a separação da radiodifusão e das telecomunicações, criando a Anatel. Em seguida, a Lei Geral das Telecomunicações revogou artigos do Código Brasileiro de Telecomunicações para que grupos privados passassem a operar os serviços do setor.

Em 2009, realizou-se a 1ª Conferência Nacional de Comunicação e, apesar do boicote de quase todos os grupos privados, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação(FNDC) conseguiu aprovar várias de suas propostas entre as quase 600 apresentadas nas várias etapas da Conferência. Entre elas:

1. Divisão do espectro em 40% público, 40% privado e 20% estatal;

2. Banda larga como direito universal;

3. Proibição de concessão de rádios e TVs para parlamentares;

4. Sublocação de horários para aluguel ou venda a igrejas e partidos políticos;

5. Conselhos de comunicação, nacional, estaduais e municipais.

Após a Confecom, o presidente Lula criou um grupo, sob a coordenação do à época ministro Franklin Martins, que elaborou, após amplos debates e consultas públicas, uma proposta de marco regulatório, com propostas semelhantes às que o FNDC defende. O projeto, concluído já nos últimos meses de 2010, foi entregue ao governo da presidenta Dilma mas não teve seguimento.

O fato é que, por não enfrentarmos a questão da mídia monopolizada, Globo, Record e SBT chegam hoje a 3.600 dos 5765 municípios brasileiros. E a Rede Globo arrecada 60% de tudo que as TVs abertas arrecadam. Por sua vez, a banda larga, que cobre mais da metade do território, embora com baixa velocidade relativa, não é acessível à maioria da população, pois é a segunda mais cara do mundo.

No âmbito do Plano Nacional de Banda Larga criado pelo nosso governo, cogitou-se de reativar a Telebrás para operar com as redes de fibra ótica da Eletrobrás e Eletronorte, por exemplo. Entretanto, o Ministério das Comunicações, sob o comando do ministro Paulo Bernardo, achou mais conveniente baixar um pacote de desonerações, no valor de R$ 6 bilhões, para que operadoras privadas pudessem expandir a rede. Na ocasião (2013), o Diretório Nacional do PT conclamou o governo “a rever o pacote de isenções concedido às empresas de telecomunicações”e a “reiniciar o processo de recuperação da Telebrás”.

É evidente que a expansão controlada pelas operadoras privadas e com altos preços dificulta a meta da universalização. Tal expansão, baseada numa política de barganhas, acaba sendo custeada em parte pelo governo e segundo interesses das empresas e não de acordo com políticas públicas.

Diante desse quadro, o que propõe hoje o movimento pela democratização da comunicação, que ganhou adesão inclusive do presidente Lula, cujos pronunciamentos mais recentes incorporaram a temática do fim do monopólio e do fortalecimento das mídias alternativas. Em primeiro lugar, é preciso afirmarmos que o monopólio dos meios de comunicação viola a liberdade de expressão e nega à maioria da população o direito fundamental à comunicação e a informação.

Direito coletivo, portanto, a ser assegurado amplamente, tanto mais que vivemos hoje num mundo interconectado, na era digital, de convergência tecnológica, em que a comunicação deixou de ser unidirecional, na qual havia um emissor que produzia e distribuía mensagens para um receptor passivo.

Fruto do movimento pela democratização, em 2013 foi apresentado um Projeto de Lei de Iniciativa Popular (Plip), conhecido como Lei da Mídia Democrática — para Expressar a Liberdade.

Em linhas gerais, o Plip define, como objetivos e finalidades, promover a pluralidade de idéias e opiniões na comunicação social eletrônica; o fomento da cultura nacional em sua diversidade e pluralidade; diversidade regional, étnico-racial e contra a discriminação e o preconceito. Exige a universalização dos serviços essenciais de comunicação e a participação popular na definição das políticas públicas de comunicação.

Define o que devem ser os sistemas público, privado e estatal que, de acordo com a CF, devem ser complementares e propõe a criação de um Fundo Nacional de Comunicação Pública para subsidiar o desenvolvimento do sistema público, inclusive a comunicação comunitária.

Contra a concentração da propriedade, estabelece que o mesmo grupo econômico não pode controlar diretamente mais do que cinco emissoras no território nacional e veda a chamada propriedade cruzada, estabelecendo exceção nos municípios com até 100 mil habitantes, nos quais seria permitido alguém ser proprietário de mais de um veículo, desde que um deles não esteja entre os três de maior audiência ou tiragem. Proíbe ainda o controle de veículos da mídia eletrônica para partidos políticos, parlamentares e instituições religiosas.

O Plip redefine, também, os critérios para outorga e renovação de concessões, hoje extremamente favoráveis aos grandes grupos monopolistas.

No caso da outorga, exige que o candidato (a) garanta diversidade na oferta, contribua para a complementaridade, dá preferência para quem não tenha meios de comunicação, amplie a criação de empregos diretos, conceda maior oferta de tempo gratuito para organizações sociais e produtores independentes.

Além disso, a outorga implicaria apenas licença para a programação da emissora, já que a transmissão ficaria a cargo de um operador de rede, a quem caberia cuidar de torres e antenas, a fim de reduzir os custos das emissoras. O operador de rede seria licenciado pela Anatel e transmitiria sem custos para as emissoras públicas.

Para a renovação, seriam condições exigidas: o cumprimento do art. 221 da Constituição, o respeito à diversidade e o tratamento dado às imagens da mulher, das comunidades étnico-raciais, das crianças, e a regularidade trabalhista, fiscal e previdenciária.

Importante proposta é a criação de um Conselho Nacional de Políticas de Comunicação, que estaria articulado com a Anatel e a Ancine para a execução do que fosse definido.A ele competiria elaborar diretrizes para a regulação e políticas públicas do setor, além de acompanhar sua implantação. Ele seria integrado por 7 representantes do Executivo; 3 do Congresso Nacional; 4 dos prestadores de serviços de comunicação; 4 de entidades profissionais ou sindicais; 4 da comunidade acadêmica e da sociedade civil; 4 de movimentos sociais, além de um da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e de um Defensor dos Direitos do Público, a ser criado.

Constituição Federal

Art. 220 — “A manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição”;

Parágrafo 2º — “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”;

Parágrafo 5º — “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.

Art. 221 — “A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I — preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II — promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção

independente que objetivo sua divulgação;

III — regionalização da produção cultural, artística e jornalística conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV — respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”.

Art. 223 — “O Poder Executivo outorga concessão, permissão ou autorização, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”.

Fontes de referência

  1. “Regulação Democrática dos Meios de Comunicação”, Jonas Valente, Fundação Perseu Abramo.
  2. “Direitos Negados — um Retrato da Luta pela Democratização da Comunicação”- Renata Mielli (organização), Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé;
  3. Resoluções do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores;

Rui Falcão é jornalista e político. Foi deputado estadual e federal por São Paulo e presidente do Partido dos Trabalhadores.


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