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"O Brasil sempre esteve ligado à África", lembra Alberto da Costa e Silva

Membro do Conselho África do Instituto Lula, o africanólogo repassou a história das relações entre nosso país e o continente africano


"O Brasil sempre esteve ligado à África", lembra Alberto da Costa e Silva

Fotografia: Divulgação

A ligação do Brasil com a África remonta a nossa história,  a construção da sociedade brasileira. Durante cerca de 300 anos, recebemos mais de 4,8 milhões de africanos que trouxeram seus costumes, suas crenças, sua cultura. Ao longo dos séculos, o Brasil manteve ligações bilaterais com países africanos a partir de navios que saíam do Recife e de Salvador para Nigéria, Benin, Senegal, Gana e do Rio de Janeiro para Cabo Verde e Angola, por exemplo. No último século, o país passou por períodos de letargia em relação à África, mas, nos últimos anos, esse entusiasmo reapareceu. Em conversa com o Instituto Lula, Alberto da Costa e Silva, africanólogo e um dos 40 membros do "Conselho África" , relembrou o histórico das relações entre nosso país e o continente africano. 

"Durante 60 anos, o Brasil ficou afastado da África, as nossas preocupações ficaram centradas na América do Sul. Era um período de acertar as fronteiras, um período onde o Brasil estava se localizando, reconhecendo a si mesmo. Esse certo desinteresse do Brasil pelo resto do mundo deu essa ideia de distanciamento da África. Essa letargia vai terminar nos anos 50, depois da II Guerra Mundial", lembrou. 

Tanto é verdade que o Brasil esteve presente nas independências africanas, principalmente, no reconhecimento da independência da Guiné-Bissau (em 1974) e Angola (em 1975), na legitimação do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) como representante da liberdade do povo. Costa e Silva destaca que foi por iniciativa brasileira, inclusive, que houve a liderança para pressionar, nas Nações Unidas, a criação da Comissão Econômica para a África, nos moldes da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina). Isso mostrou o enorme interesse do Brasil pela África já no governo Dutra (1946 - 1951), mas sobretudo no governo de Juscelino Kubitschek (1956 - 1961).

"Esse interesse ganhou as páginas dos jornais e foi tingido de entusiasmo no curto governo Jânio Quadros (31 de janeiro de 1961 e 25 de agosto de 1961) porque ele tinha um desejo de ter uma política africana. Não podemos esquecer que foi em 1960 que Haile Selassie (imperador da Etiópia e herdeiro duma dinastia cujas origens remontam historicamente ao século XIII e, tradicionalmente, até o Rei Salomão e a Rainha de Sabá) visitou  o Brasil. Na ocasião, Jânio avaliou o quão importante seria a participação dos países de terceiro mundo", disse o autor de clássicos sobre a história da África como A enxada e a lança: a África antes dos Portugueses e A manilha e o Libambo: A África e a Escravidão, de 1500 a 1700. 

O Período de colonização 

"Durante o período de colonização da África, no início do século XX, o Brasil deixou de ser parte ativa nas relações com a África como nos séculos anteriores por causa também da recente abolição do tráfico negreiro. O navio trazia escravizados e levava mercadorias, importava farinha de trigo, cachaça, carne seca, tabaco... Havia um comércio forte que passou a ser feito entre os países colonizadores. A França, por exemplo, enviava para Daomé (atual Benin) depois de o Brasil enviar os produtos para a França" apontou o dono da cadeira de número nove da Academia Brasileira de Letras. 

Foi no governo de Emílio Médici (1969 - 1974) que realmente a África voltou a ter uma grande importância para o Brasil. Costa e Silva lembra que um dos motivos foi porque o chanceler na época, Mário Gibson Barbosa, havia trabalhado com Afonso de Melo Franco, chanceler de Jânio, que se destacou também pela autoria da Lei Afonso Arinos contra a discriminação racial em 1951. 

"Ele foi um grande impulsionador da política de Jânio. Realmente, com projetos claros em relação à África.  Para começar, ele visitou oito países africanos e, num espaço de três anos, o Brasil recebeu mais de 50 ministros africanos. Foi um período de muita vibração, já os governos civis não manifestaram muito interesse. O que havia sido feito estava feito. O Brasil estava voltado para problemas que pareciam mais urgentes e atenção mais imediata" ressalta.

Nos anos 90, as relações comerciais e diplomáticas declinaram. Em 1993, o Brasil tinha 24 diplomatas na África, em 1983, eram 34. Uma das primeiras medidas do Itamaraty durante o governo de Luis Inácio Lula da Silva foi o de abrir as embaixadas e consulados que haviam sido fechados, aumentando para 30 os postos diplomáticos. O despertar para África chegou com a abertura de 19 embaixadas em todo o continente africano, com 33 viagens presidenciais ao continente que hoje importa programas brasileiros como o Bolsa Família e influencia projetos como a merenda escolar e agricultura familiar, vigentes em países como Etiópia, Moçambique, Níger, Senegal e Malawi.  

"Eu fui parte de tudo isso, assisti a tudo: os entusiasmos e as decepções em relação à África. Na realidade, nós ainda sabemos muito pouco sobre o que se passa, mas foi com o governo Lula que aquele trabalho começado décadas antes teve um recomeço. O Lula fez questão absoluta de visitar os países africanos e de criar novas condições para estreitar os laços. No governo Lula, reaproximamos."

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