Doe Agora!

Ricardo Carneiro: A recessão brasileira acabou?

A análise equilibrada dos indicadores econômicos não permite tal conclusão. O País está longe de uma recuperação sustentada


Ricardo Carneiro: A recessão brasileira acabou?

Porto exportador. Foto: Imprensa/ GEPR

Instigados por alguns indicadores positivos da economia brasileira nos últimos meses, a mídia especializada e várias associações patronais decretaram o fim da recessão econômica no país. Uma análise mais equilibrada mostra contudo uma alta ambiguidade desses indicadores, dos quais se pode inferir apenas que a velocidade da queda do PIB tem diminuído.

Concluir diferentemente e enxergar indícios de recuperação parece ser excesso de otimismo. Ou seja, não há respostas para a pergunta se a economia brasileira caminha para a recuperação ou à estagnação, examinando-se exclusivamente os dados estatísticos. Eles têm que ser interpretados por princípios analíticos mais sólidos para conduzir a uma conclusão mais robusta.

A teoria keynesiana propõe que uma economia capitalista seja movida pelo gasto ou demanda efetiva. São as despesas com consumo, as exportações líquidas, o déficit público e os investimentos, induzidos e autônomos, os dinamizadores da economia. A trajetória dessas variáveis (aumento, desaceleração ou queda) provoca um ajuste do nível de produção, o PIB. 

Assim, se a demanda agregada varia, o mesmo ocorrerá com o PIB. Pode haver exceções, ou mediações, quando as expectativas sobre o futuro parecem tão brilhantes ou sombrias que induzem os agentes econômicos a ignorar ou minimizar a realidade.

De outra perspectiva, a demanda agregada relevante para fazer crescer o produto é aquela que excede a demanda corrente. Exemplo: se os trabalhadores gastam em consumo o mesmo montante do período anterior, as exportações líquidas são nulas e não se alteram, o governo possui um orçamento equilibrado, os empresários produzem no mesmo patamar prévio e investem o mesmo montante da depreciação. Portanto, não há estímulo adicional para a economia e o PIB se encontra estagnado.

A forma de romper este ciclo vicioso assenta-se no aumento da demanda agregada, o que numa economia capitalista sempre conta com o apoio de sua principal alavanca: o crédito. Os trabalhadores podem receber melhores salários e gastar mais. Podem também gastar a renda que ainda não possuem, se endividando. O governo pode melhorar o perfil do gasto e da arrecadação se esta se ampliar, mas pode também gastar arrecadação futura, incorrendo em déficits e aumento da dívida pública. As exportações líquidas variam ao sabor das circunstâncias sobre as quais não há muito controle, como o ciclo internacional e aquelas sobre os quais há algum controle, o ciclo doméstico e a taxa de câmbio.

Diante do aumento da demanda agregada e da melhora das expectativas, os empresários deverão ampliar seus níveis de produção e, a partir de certo grau de utilização da capacidade instalada, seus investimentos. Há ademais, outra forma de investimento, o autônomo, que pode se beneficiar do crescimento da demanda efetiva e do PIB, mas que não está diretamente determinado por eles. 

Nos países desenvolvidos, este tipo de investimento está em geral associado às ondas de inovações, cujo efeito, na maioria dos casos, é a queda de preços. Como consequência desses últimos, e do empuxe sobre o conjunto da economia, a demanda existente se amplia e, desse ponto de vista, o investimento autônomo comanda o crescimento.

Nos países periféricos, algumas atividades podem caber neste figurino, pelo tamanho e impacto sobre a produtividade, como por exemplo, a infraestrutura, ou a diversificação da estrutura produtiva. Claro, se a economia está em crescimento e as expectativas são favoráveis, o investimento autônomo encontra melhor campo para florescer.

À luz dos princípios apresentados acima, como interpretar a atual situação da economia brasileira: ela caminha para a recuperação ou para a estagnação? Comecemos pelo consumo das famílias que cai há oito trimestres, por qualquer critério de medição, mas cuja velocidade da queda tem se atenuado no corrente ano.

Subjacente a este comportamento está uma deterioração inusitada do mercado de trabalho: o desemprego continua elevado e em alta, como decorrência do baixo crescimento da ocupação e das remunerações médias, estagnadas. Outro fator crucial da deterioração do consumo é o comportamento do crédito. A tentativa das famílias de fugir das altas taxas de juros tem levado ao pagamento de dívidas, mormente nas faixas médias e altas. No agregado, o volume de crédito concedido às pessoas físicas acusou declínio nos últimos anos e estabilidade em 2017.

A contribuição do setor público à demanda efetiva é assunto bem intricado. De um lado, a preservação de um déficit primário de cerca de 2,5% do PIB desde o segundo trimestre de 2016 poderia sugerir uma postura fiscal expansionista. Em 2017, este déficit primário tem diminuído ligeiramente e esta diminuição é produto da queda simultânea, mas com maior intensidade, das despesas vis a vis as receitas.

Por ambas as razões, a postura fiscal pode ser entendida como contracionista. Esse ponto é crucial. O governo definiu uma meta de superávit primário ambiciosa, num contexto recessivo e de queda mais que proporcional das receitas em razão do caráter pró-cíclico do sistema tributário. Assim, para realiza-la, terá de contrair recorrentemente as despesas, criando um círculo vicioso contracionista.

As exportações líquidas, ou o saldo comercial, tem se constituído num elemento inequívoco de contribuição ao aumento da demanda agregada em 2017. Sua capacidade de dinamização do crescimento está limitada por dois fatores distintos: pelo grau de abertura da economia brasileira e pela composição da pauta de exportações.

exporta.jpg
As exportações têm contribuído para o aumento da demanda (Foto: Ivan Bueno/Fotos Públicas)

Após a crise de 2008, as exportações de bens e serviços representaram apenas 11% da demanda agregada na economia brasileira (média de 2009/2014), mas a importações eram mais altas, ocasionando um déficit externo e uma contribuição negativa ao crescimento. Essa situação inverteu-se após 2015, e em 2016 observou-se um saldo positivo de 0,5% do PIB, resultante de exportações de 12,5% e importações de 12% do PIB.

Com essas proporções, os ganhos de crescimento induzidos pelo setor externo são limitados. Considere-se ademais, a particular concentração da pauta exportadora em commodities e sua dependência dos preços internacionais, tendo estes últimos fatores, ajudado decisivamente o desempenho das exportações nos últimos meses.

Diante de uma demanda agregada em queda, e níveis de utilização da capacidade declinantes, a resposta do investimento foi previsível: quedas sucessivas, com alguma desaceleração dessas últimas nos últimos trimestres. Os fatores responsáveis por diminuir a velocidade da retração foram a safra agrícola e as exportações.

Ao mesmo tempo, fica evidente que foram elementos circunstanciais, incapazes sequer de estabilizar o investimento no fundo do poço. O mesmo pode-se dizer do investimento autônomo representado pela infraestrutura. A despeito de todo o alvoroço promovido pelo governo em torno da recuperação do setor, o fato é que por várias razões, dentre as quais a nova política de financiamento do BNDES, os projetos não deslancharam. Ilustra esta trajetória os desembolsos do BNDES, cuja redução, em 2107, foi de 15% para o total de setores, 33% para a indústria de transformação e 9% para comércio e serviços.

A associação dos dados estatísticos com alguns princípios analíticos esboçados acima podem dar uma compreensão mais aprofundada do estado atual e possível trajetória da economia brasileira. Demanda efetiva fraca e sem perspectiva de retomada, exceto em segmentos ou setores localizados, como exportações concentradas em commodities, safra agrícola, reposição sazonal de bens duráveis etc.

A concomitância desses últimos com um patamar muito baixo da oferta, depois de dois anos e meio de contração, leva estes impulsos localizados a produzir indicadores melhores, mas de duração efêmera, indicando que a economia brasileira está mais próxima da estagnação ou de um crescimento medíocre do que de uma recuperação sustentada. 

* Ricardo Carneiro é economista e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp
** Matéria originalmente publicada no site da Carta Capital 

RECOMENDADAS PARA VOCÊ