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Formandos pedem Lula Livre e denunciam conquistas ameaçadas


Formandos pedem Lula Livre e denunciam conquistas ameaçadas

Foto: Divulgação

Do VIOMUNDO

Neste sábado à noite (23/03), formandos e formandas de Artes Cênicas, Artes Visuais, Música, Dança, Teatro e Musicoterapia da Universidade Estadual do Paraná (Unespar) colaram grau em Curitiba.

Os oradores da turma foram Clau Lopes e Aline Ramos. Eles fizeram um discurso antológico. Corajoso. Brilhante. Contundente. Emocionante.

Seguramente, precisa ser visto (acima) e lido (na íntegra, logo abaixo) pelo ex-presidente Lula.

TEXTO DOS ORADORES:

Boa noite excelentíssima mesa diretiva da Unespar – Campus II (Faculdade de Artes do Paraná). Boa noite caras professoras, professores, mestras, mestres, doutoras e doutores e funcionários da instituição.

Boa noite colegas formandas e formandos de Artes Cênicas, Artes Visuais, Música, Dança, Teatro e Musicoterapia.

Caros pais, mães, amigas, amigos e familiares

Pensamos muito em como utilizar esse tempo e chegamos até a escrever um discurso para o cerimonial fofo, bonito, falando de cada um dos colegas. Mas, não é o caso!

Cursar Artes é muito mais do que lidar com expressão ou partituras. É lidar consigo mesmo em um nível de profundidade tão grande, que apenas o lado terapêutico de se fazer arte consegue alcançar.

A arte toca diretamente as almas. Tanto de quem faz, quanto de quem aprecia.

Podemos dizer que na FAP a alma artística se transforma grandemente.

E quando falo de alma, digo isso sem nenhum cunho religioso, mas no sentido de que não há nada além de muita alma e muito esforço colocados em nosso trabalho.

Bernard Shaw uma vez disse que “os espelhos são usados para ver o rosto, a arte para ver a alma”, e agora, depois de terminar o curso que tanto sonhamos, percebemos o quanto a arte, durante esse tempo, transformou nossas vidas.

Porque nesses quatro anos cada uma e cada um vivenciou as diferentes dimensões da arte, sofreu, sorriu, passou raiva, aprendeu e ensinou.

Certamente não somos os mesmos. Saímos, com certeza, maiores do que chegamos.

É pessoal, o que antes parecia uma missão impossível hoje finalmente se concretiza diante dos nossos olhos e diante desses tantos outros olhares aqui presentes.

Pensamos em começar esse texto com uma palavra que resumisse e definisse essas pessoas.

Se há uma palavra que resuma e defina a trajetória que cumprimos aqui, esta palavra é CORAGEM!

Coragem por termos escolhido nos formar nas áreas das artes num momento tão delicado desse país, diante do atual cenário político brasileiro.

Estamos nos formando em uma universidade pública, e precisamos usar esse espaço para lutar, gritar e pedir socorro.

Lutar contra a realidade de sucateamento de Estado, de privatizações, terceirizações dos serviços públicos e o crescente retrocessos nas políticas públicas de Educação, Arte e Cultura.

Quero pedir agora que vocês, por gentileza, fechem os olhos. Lembram-se quando vocês passaram no vestibular? Como foi? Onde estavam? O que estavam fazendo? (…)

Lembram-se, agora, do primeiro dia de aula? Lembram-se de toda a expectativa e todos os sonhos com relação à FAP? (….) “Talkey”, podem abrir os olhos.

Quero que vocês pensem em quantas expectativas foram quebradas. Formamo-nos, não é mesmo?

Formamo-nos sem algumas mestras e mestres que tiveram que abandonar seu cargo de professora e professor Temporário PSS, que foram fundamentais para a nossa formação e que ainda tinham tanto para nos ensinar.

Formamo-nos com muitos professoras e professores sobrecarregados, que mesmo desta forma precária e sucateada, faziam de tudo para estarem disponíveis.

Despertamos para a sensibilidade artística do corpo, para uma consciência de classe que nos tocou profundamente em meio a greves, paralisações e ocupações, movimentos justos que nos formaram para a cidadania.

Em suma, nossa alma é um misto de amor pela dedicação com que nossas professoras e professores nos guiaram até aqui, de decepção pela forma com que governos tratam a educação e de resistência de se estar e se fazer a luta pela garantia de nossos direitos.

Carregaremos os nomes de vocês professoras e professores em nossos corações.

Vocês tornaram-nos mais humanos, trouxeram à tona nosso melhor, coisas que nós mesmo desconhecíamos. Constituíram-nos artistas, professoras e professores.

Há quatro anos quando iniciamos o curso, tínhamos um governo democrático, popular e progressista no poder, com valorização da educação, da arte e da cultura. Com o estado máximo de atenção às demandas do povo brasileiro e, nós artistas, nos lembramos bem de como era o cenário nessa época…

As artes seriam o “pulo do gato” – afinal, Titãs tinha razão: “a gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão e arte…”.

A arte é fundamental… Mas no decorrer do curso, vimos o Brasil passar por um golpe de Estado, orquestrado por parte do judiciário, parlamento e mídia, que colocou no poder um projeto de Estado não eleito nas urnas e com visão totalmente oposta à soberania nacional e voltada única e exclusivamente ao capital estrangeiro.

A partir daí tivemos a primeira lição sobre nossa profissão: lidamos com incertezas e as condições de trabalho nessa área estão sujeitas a contextos políticos que mudam sempre.

Por isso, parabenizamos aqui, a coragem daquelas que escolheram se tornar artistas, professoras e professores de Arte mesmo diante de tantos desafios e dentro de um cenário político que torna nosso trabalho ainda mais desafiador e – justamente por isso, ainda mais necessário.

Temos aqui, hoje sentadas e sentados, não mais jovens acadêmicas e acadêmicos, mas sim profissionais da Arte. Artistas a escrever História.

Coragem também define aquelas e aqueles que tiveram que superar várias barreiras para estar aqui, que se formaram conciliando trabalho e estudo, superando as dificuldades impostas por um sistema capitalista que arranca nossa solidariedade e impõe a competição.

Às minhas companheiras e aos meus companheiros de sala de aula e agora colegas de profissão: nunca deixem de acreditar em seu próprio potencial. Desejo a vocês toda a sorte do mundo.

Agradeço à Universidade Estadual do Paraná e desejo resistência na manutenção do ensino superior gratuito e de qualidade.

Principalmente agora que somos professoras, professores, artistas e “artivistas”, que criaremos conexões entre os ambientes escolares e os espaços culturais e que temos o importante papel de construirmos uma sociedade justa, plural e emancipadora.

É preciso lembrar que antes de sermos professoras, professores, artistas, somos humanos. É preciso olhar para lado, olhar para as pessoas oprimidas e marginalizadas e entender que nós somos sim privilegiadas e privilegiados por termos um teto, comida e, agora um diploma; Por termos estudado em uma universidade pública.

O nosso esforço individual contou, mas só isso não seria capaz de explicar a trajetória de muitos de nós.

Foi necessário um conjunto de políticas públicas – que estão sob ameaça neste momento – para que chegássemos aqui.

Qualquer discurso baseado na meritocracia, como querem nos vender os donos do capital, tira do Estado a responsabilidade de gestar políticas públicas que tornem a sociedade menos desigual.

A meritocracia individualiza e joga nos ombros das pessoas o peso da omissão e da falta de políticas públicas e que historicamente geraram os altos graus de desigualdades da sociedade brasileira.

É muito difícil que uma garota ou garoto que vive em condições precárias e que vive em lugares de riscos concorra em condições de equidade com as filhas e filhos das classes mais altas.

Daí a necessidade das políticas públicas, das ações afirmativas, das cotas, de mais escolas e universidades públicas…Então, minhas queridas e meus queridos colegas privilegiados façam a diferença neste mundo, ou melhor, sejam a diferença neste mundo.

Sejam a diferença na sociedade machista, em que a mulher é constantemente reduzida a papel secundário norteada pela opinião masculina, onde o estereótipo de macheza, violência e valentia são motivos de orgulho e ferida para ambos os lados.

Sejam, minhas amigas e amigos, a diferença em uma sociedade patriarcal onde as tarefas domésticas e as relações profissionais e sociais ainda são divididas por gêneros.

Nunca pensei que em pleno 2019 iríamos ter que voltar a discutir que cor não tem gênero, que meninos e meninas vestem o que quiser…

Que “ NOVA ERA” é essa?

Sejam a diferença em uma sociedade racista onde a cor da pele determina seu lugar nessa sociedade, onde o genocídio negro grita, onde mulheres e jovens negras e negros pedem socorro todos os dias, onde amar sua estética e sua ancestralidade é sinal de resistência.

Sejam, a diferença em uma sociedade LGBTIFÓBICA, onde um amor entre iguais incomoda mais que a violência, as mortes e a corrupção, onde a LGBTIFOBIA está institucionalizada e querem cada vez mais acabar com os direitos que foram conquistados em anos e anos de luta.

Sejam a diferença no país que mais mata travestis e transexuais no mundo, neste país onde as marginalizam e expulsam das escolas e das famílias, jogando-as nas ruas.
Sejam a diferença no país onde agentes do Estado que deveriam garantir a segurança confundem guarda-chuvas com fuzis, onde confundem furadeira e ferramenta de trabalho com armas, onde jovens negras e negros são mortos.

Principalmente sejam a diferença no país onde frases como “o erro da ditadura foi torturar e não matar” ou frases como “eu jamais vou estuprar você, porque você não merece”, ou até “prefiro ter um filho morto do que apareça com um bigodudo por aí”, onde pessoas que dizem essas frases, são aplaudidas e vistas por poucos como mito.

Sejam a diferença neste país. Enfim, sejam a diferença, no país que não abraça a diferença!

Que esses 4 anos tenham nos tornado mais sensíveis a isso tudo! Por isso, fica aqui o grito de milhares e milhares de excluídas e excluídos. Não sejamos indiferentes, porque arte é também resistência.

Então este é também um convite à resistência “pois o sinal pode estar fechado para nós, nós sabemos que há perigo na esquina” mas nós resistiremos, como mulheres, negras e negros e por toda comunidade LGBTI.

Resistiremos por Amarildos, Marieles, Andersons e Dandaras. Resistiremos por Anas, Marias, Marinas.

Resistiremos mesmo que queiram nos calar e nos matar e quanto mais assim o fizerem, mais resistiremos.

E, para deixar claro, uma frase que não podia faltar da cantora Pitty, “as mulheres não voltam pra cozinha e os negros não voltam para as senzalas e o gays não voltam pro armário, o choro e livre e nós também”.

Vai ter médica e médico negro atendendo no hospital particular sim!

Vai ter mulher negra sendo juíza, empresária comandando multinacional, liderando pesquisas científicas!

Vai ter mulher dirigindo caminhão, vai ter negro de terno e gravata sim!

Vai ter “viado” na rua sim, vai ter travesti fazendo mestrado e doutorado, vai ter transexual sendo professora e vai ter beijo gay sim.

Vai ter mulher, negra, negro, LGBTI onde elas e eles queiram estar porque ninguém, ninguém vai calar os corações.

Ninguém vai conseguir oprimir o amor, ninguém vai calar a nossa luta que sempre foi e sempre será legitima. Nós somos feitos de amor, de luta e de resistência e resistir, minhas queridas e queridos… Não é nada novo pra nós.

E vai ter professora e professor de arte fazendo escolas que são asas, pois como dizia Rubem Alves “escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar.”

Por fim e não seria menos importante:

Ele não. Ele nunca, ele jamais!!!

Ninguém solta a mão de ninguém.

Obrigada/Obrigado.

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