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Gate analisa retomada do desenvolvimento pelas cidades


Gate analisa retomada do desenvolvimento pelas cidades

Foto: Ministério do Desenvolvimento Regional

Cidades e retomada do desenvolvimento: um roteiro para o debate. Está no ar a décima sétima edição do Boletim Gate, produzido pelo Grupo de Acompanhamento de Temas Estratégicos do Instituto Lula. 

Acesse o Boletim em PDF no ISSUU do Instituto Lula, nossa plataforma de publicação de textos. Você também pode fazer o download do documento clicando aqui. Ao final desta página, você encontra o link para os outros boletins produzidos pelo Gate.

Leia na íntegra:

“Cidades e retomada do desenvolvimento: um roteiro para o debate"

A crise econômica e política, apenas agudizada pela pandemia de COVID-19 dos últimos dois anos, escancarou nossas desigualdades urbanas e regionais, apontando impasses estruturais de gestão do território brasileiro, cuja superação se torna um fator determinante na retomada de uma trajetória de desenvolvimento econômico e social. Nesse sentido, na mesma medida que se entende que a retomada do desenvolvimento depende de um projeto nacional articulado entre as unidades federativas, é preciso considerar as especificidades regionais e urbanas do país como um ativo fundamental para orientar políticas de desenvolvimento urbano. 

O processo de urbanização brasileiro, um dos mais acelerados do século XX e com fortes componentes de degradação do meio ambiente, resultou em um fenômeno de metropolização e formação de cidades médias no interior do país que vem resultando em mudanças no padrão histórico de organização da Rede Urbana Brasileira. A localização da população e o padrão de concentração das atividades produtivas nos territórios gerou padrões de deslocamento inter-regionais que historicamente penalizaram os trabalhadores, submetidos a longos deslocamentos para acessar postos de trabalho e serviços públicos. 

Disso resulta um padrão de organização do território com custos de aglomeração em termos das demandas energéticas, de água e de saneamento básico, bem como de outros equipamentos públicos que têm se mostrado crescentes, com ônus cada vez maior para as populações mais pobres e vulneráveis. As metrópoles, produto de um padrão de industrialização a baixos salários que se estruturaram às custas da reprodução da desigualdade e segregação socioespacial de grande parte da população urbana, tem assistido nos últimos anos um forte movimento de  desindustrialização, que se agravou em virtude da inflexão ultraliberal que norteia as políticas de Estado nos dias de hoje. Nos últimos anos as regiões metropolitanas, em sua grande maioria, registraram aumento da informalidade e da precarização do trabalho no setor de comércio e serviços, além de aumento da participação dos salários do funcionalismo público na massa salarial da economia metropolitana. 

A dependência dos salários do funcionalismo tem se tornado ainda mais relevante em cidades de porte médio e pequeno, dispersas no interior do país de fortes heterogeneidades entre as regiões brasileiras. Nesse contexto, e considerando o padrão sistemático de desmonte do serviço público e do Estado de uma forma geral, é preciso considerar os enormes impactos que a redução da massa salarial associada ao funcionalismo pode gerar nas cidades brasileiras. Somado a isso, outras duas grandes transformações que dizem respeito à estrutura produtiva e social tendem ainda a gerar mais impacto nesse processo, com riscos de aumento da pobreza e ampliação das desigualdades. De um lado, a emergência climática que pressiona para a diminuição do papel econômico da indústria e do grande agronegócio, e de outro a transformação demográfica com perspectiva de diminuição da população.

Reverter tais tendências demanda ações de planejamento conduzidas pelo Estado, com o objetivo de garantir maior equilíbrio entre recursos, produção de riqueza, infraestrutura e localização da população, incluindo a otimização da rede de cidades existente.  O desafio atual é o de construção de um projeto nacional que incorpore as especificidades regionais e urbanas, bem como as mudanças nas matrizes energéticas e o decréscimo populacional, na formulação de um planejamento territorial que tenha por objetivo a integração. Se a expansão da ocupação se fez até agora por atividade extrativista, frentes agrícolas e expansão de infraestrutura de maneira predatória, trata-se agora de considerar a crise climática e as demanda por mudanças das matrizes energéticas, e por novos padrões de produção, distribuição e consumo de bens e de serviços, para enfrentar os desequilíbrios da distribuição e dos deslocamentos da população no território. 

Em novas fronteiras do agronegócio brasileiro, como a região da MATOPIBA, por exemplo, os municípios têm assistido a uma acelerada urbanização e expansão do PIB em função da entrada de atividades agropecuárias voltadas para exportação. Contudo, essa dinâmica pouco tem representado em termos de distribuição dos rendimentos entre a população da região, e sim tem significado o aumento do padrão de concentração da renda e propriedade, além dos efeitos da degradação ambiental associadas à expansão da monocultura sobre os biomas do Cerrado e da Caatinga. 

Assim, enquanto agenda de ação para os próximos anos, os programas de habitação e desenvolvimento urbano não podem ter como parâmetro exclusivo os déficits quantitativos e qualitativos conforme a realidade dada. Nesse sentido é fundamental que estejam integrados aos objetivos do desenvolvimento sustentável e da transição ecológica, da inovação e inserção de novas tecnologias, da capacitação profissional e da geração de empregos.  Também o planejamento dos sistemas de mobilidade e transporte devem ser indutores da integração multiescalar, considerando as áreas de moradia, de emprego e de produção de alimentos. Nesse caso, uma diretriz ousada, mas consoante a tais objetivos, é considerar a possibilidade de projetos de infraestrutura que induzam a redistribuição da população pelo território, desnaturalizando a concentração de esforços e investimentos nas áreas de influência metropolitana. 

A presença cada vez maior da economia digital exige, e ao mesmo tempo abre caminho, para novas abordagens de planejamento, visando uma rede que articule distintos níveis de capacidade, e também as longas, médias e curtas distâncias, considerando ainda matrizes energéticas limpas. O planejamento e quiçá o início da implantação de pontos articuladores de um sistema como esse, pode ser entendido como uma "missão sócio-ambiental" nos termos do que sugere o Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil (FPA, 2020). Para isso é fundamental também recuperar a capacidade planejadora do Estado, com fortalecimento do serviço público e capacitação técnica e acadêmica, em diálogo direto com universidades e centros de pesquisa, o que também requer o fortalecimento das agências de fomento e do sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação como  um todo, e sua articulação às demandas sociais e do serviço público. A rede federal de ensino técnico e superior, somada às estaduais, pode ser acionada por meio de incentivos e editais. Sua proximidade com as realidades locais as definem como potenciais locais de estudos das especificidades dos municípios e regiões, reconhecendo a diversidade de escalas e situações num planejamento que pretenda o desenvolvimento e promoção de equidade social e econômica, por meio de redes que ao mesmo tempo integrem os territórios e considerem os interesses nacionais. Partindo dessa premissa, tanto a ação planejadora, quanto a implantação de programas de obras públicas, em novas bases energética e tecnológica, tornam-se atividades potenciais de incorporação de tecnologias que demandam maior capacitação e mão-de-obra especializada, que respondendo às demandas sócio-territoriais podem ser grandes vetores de economia complexa a partir da necessidade de reorganização e requalificação da rede urbana brasileira.

Assinam: 

Nilce Aravecchia-Botas: Arquiteta, Urbanista, Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. @nilcearavecchia

Raul da Silva Ventura Neto: Arquiteto, urbanista, doutor em Desenvolvimento Econômico e professor da Universidade Federal do Pará.

Bruno Lima. Arquiteto, Urbanista, Doutorando do MDU/UFPE, Professor da Universidade Federal de Pernambuco.

Acesse os boletins anteriores:

15) Participação privada: solução para a infraestrutura?

14) Estressamento institucional como método de “governo”

13) Tão perto dos Estados Unidos, tão longe da China: a política externa brasileira no governo Bolsonaro

12) Cinema: o desmonte de uma trajetória em desenvolvimento

11) Brasil perde "cérebros": que falta faz um projeto de desenvolvimento para o país!

10) As cidades serão as mesmas no pós-pandemia? 

9) Quem tem medo do Mercosul?

8) Como fica a democracia no capitalismo de plataforma e vigilância

7) Trabalho nas plataformas digitais

6) A longa queda da indústria brasileira

5) Brasil: nem democracia, nem autoritarismo

4) O papel do planejamento na superação da crise ambiental

3) Mudanças estruturais no mundo do trabalho: determinantes e tendências

2) Teto de gastos e a destruição do Estado Social Cidadão de 1988

1) Brasil e América Latina: dilemas da região a partir da disputa entre EUA e China

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