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Gate discute desafios do novo mundo do trabalho


Gate discute desafios do novo mundo do trabalho

Fila de desempregados. Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Está no ar o terceiro número do Boletim do Gate, o Grupo de Acompanhamento de Temas Estratégicos do Instituto Lula. Nesta edição do boletim quinzenal, as pesquisadoras Bárbara Vásquez, Flávia Vinhaes e Regina Camargos discutem determinantes e tendências no novo mundo do trabalho. 

Desde os anos 1980, a economia enfrenta fragilidades que interferem negativamente na qualidade e quantidade de empregos criados no país. Mesmo quando houve a retomada do crescimento econômico, entre 2004 e 2014, a desindustrialização seguiu sendo um problema. Após a eleição de 2014, inicia-se uma crise política capitaneada pelo projeto derrotado que, somada aos efeitos da Operação Lava Jato na economia, praticamente reverte em dois anos todas as conquistas de uma década na criação de emprego e formalização das relações trabalhistas.

Por fim, o texto aponta temas de devem ser objeto de estudo daqui para frente para se entender os desafios e oferecer propostas ao novo mundo do trabalho.

Leia abaixo o texto na íntegra:

Mudanças estruturais no mundo do trabalho: determinantes e tendências

Por Bárbara Vásquez, Flávia Vinhaes e Regina Camargos

A estrutura econômica do país está passando por profundas transformações há quatro décadas desencadeadas pelos graves problemas enfrentados nos anos 1980 (“estagflação”, crise das dívidas interna e externa, desequilíbrio no balanço de pagamentos), 1990 e início dos 2000 (inserção passiva da economia no processo de globalização, abertura econômica indiscriminada, hiperinflação até 1994 e elevadas taxas de desemprego).

O país entrou no século XXI com uma economia bastante fragilizada, caracterizada pela intensa e rápida desindustrialização, terciarização de baixa qualidade e relativa estagnação econômica, na qual surtos de pequena elevação do PIB foram sucedidos por períodos de queda (stop and go).

Esse conjunto de dificuldades e problemas restringiu – ou mesmo impediu - a continuidade do processo de expansão do assalariamento e da formalização das relações de trabalho iniciado na década de 1930, quando a industrialização em larga escala se disseminou.

No período de 2004 a 2014 a retomada do crescimento econômico e a implementação de políticas públicas de geração de emprego e renda, qualificação da mão de obra e fiscalização das relações laborais propiciaram redução drástica do desemprego, aumento da formalização das relações de trabalho e melhoria das condições gerais de vida da classe trabalhadora.

Entretanto, não se observou reversão da tendência de desindustrialização, ainda que ela tenha ocorrido em ritmo mais lento e que alguns segmentos industriais tenham registrado sensível crescimento.  O aumento do nível de emprego no período ocorreu, em boa medida, nos setores de construção civil e serviços, especialmente naqueles segmentos que empregam mão de obra menos qualificada.

A crise global de 2008 exigiu do governo, simultaneamente, adoção de medidas de contenção dos seus efeitos de curto prazo e redefinição da estratégia de crescimento de médio e longo prazo, com foco na recomposição de cadeias produtivas e na reindustrialização a partir de investimentos públicos e privados no complexo de energia e na construção pesada.

Caso bem sucedida, essa estratégia, juntamente com a elevação dos investimentos em C&T, poderia criar condições para um processo de reestruturação virtuoso do mercado de trabalho ao propiciar a geração de postos de trabalho em segmentos econômicos mais intensivos em tecnologia e que empregam mão de obra mais qualificada.

Entretanto, a crise política desencadeada imediatamente após as eleições presidenciais de 2014 e as consequências devastadoras da Operação Lava Jato na economia inviabilizaram essa estratégia. Em 2015, a política econômica privilegiou um ajuste fiscal draconiano que foi aprofundado com o golpe de 2016.

A estagnação da atividade econômica a partir de 2014 se transformou numa profunda recessão no período 2015-2016 que praticamente anulou os ganhos alcançados no mercado de trabalho em uma década (2004-2014), em termos do nível de emprego e da formalização das relações de trabalho.

Em 2017, a aprovação da reforma trabalhista estimulou contratações celetistas mais instáveis e precárias. Ademais, na ausência de qualquer estímulo consistente à recuperação da economia, a frágil retomada da ocupação no período 2017-2019 ocorreu mediante expansão da informalidade e da sub ocupação. Ambos movimentos resultaram em queda do rendimento real médio dos ocupados com e sem carteira.

No fim de 2019, a aprovação da reforma da previdência consolidou um cenário bastante desolador para o mercado de trabalho brasileiro, pois, ao dificultar o acesso à aposentadoria e rebaixar os valores dos benefícios desestimulará a contratação celetista padrão, especialmente entre jovens trabalhadores.

A mudança na agenda política que levou às reformas trabalhista (complementada pela lei da terceirização) e previdenciária impôs novos horizontes ao mundo do trabalho. O assalariamento, apesar da persistência da informalidade, foi, durante décadas, um marcador social muito claro que definiu uma visão de mundo, pois os trabalhadores sempre almejaram o emprego formal e a possibilidade de aposentadoria. A partir das contra reformas, entretanto, esses valores e objetivos deixaram de ser referências, dando lugar à disseminação das formas mais precárias de pejotização e do falso empreendedorismo.

Diante da incerteza sobre a aposentadoria, os trabalhadores tenderão a “optar” pela pejotização e adesão ao sistema de capitalização - que de acordo com estudos da OIT foi revertido em 60% dos países que o adotaram total ou parcialmente. Os empregadores, por sua vez, darão preferência a essa forma de contratação para reduzir seus custos. Dessa forma, serão inevitáveis os impactos negativos da disseminação da pejotização sobre o orçamento da Seguridade Social.

Por sua vez, o estímulo dado pela reforma trabalhista às formas de contratação mais precárias e instáveis como o contrato intermitente, temporário e a tempo parcial também comprometerá o orçamento da Seguridade Social. Num cenário de recuperação da economia pós-pandemia é possível esperar um crescimento dessas formas de contratação que levará à deterioração da situação da Seguridade Social.

Ainda em relação à reforma da previdência ela tende a acentuar desigualdades sociais como as de gênero e etária, por exemplo.

Segundo estudos de Denise Gentil, 74,8% das mulheres que se aposentaram em 2016 pelas regras previdenciárias vigentes naquele ano não se aposentariam pelas regras estabelecidas pela Emenda Constitucional 103.  No caso dos trabalhadores mais velhos é muito provável que tenham imensas dificuldades para se aposentarem, principalmente aqueles atingidos pelas mudanças tecnológicas e que encontrem dificuldades em incorporar novas habilidades à sua atividade laboral.

Finalmente, a essas transformações produtivas e institucionais ocorridas no país nas últimas décadas e recentemente se somam as que estão em curso no capitalismo desde o fim do século XX, como a financeirização e, mais recentemente, a chamada Quarta Revolução Industrial. Todas estão afetando e afetarão profundamente a dinâmica e a estrutura do mundo do trabalho no Brasil – e no mundo.

Com base nesse diagnóstico abre-se uma importante agenda de pesquisa e reflexões sobre o futuro do mundo do trabalho no Brasil. Entre os temas dessa agenda destacam-se:

  1. O aprofundamento e as características da polarização que consiste na forte segmentação do mercado de trabalho entre uma maioria de ocupações mal remuneradas e de baixa qualificação e uma minoria mais qualificada e melhor remunerada. Esse fenômeno tem sido observado nas economias capitalistas avançadas desde o fim da década de 1970 e suas consequências mais visíveis são o aumento das desigualdades em geral e da pobreza e a fragilização fiscal dos Estados. O aumento da polarização somado a mudanças nas legislações trabalhistas e previdenciárias estão desestruturando mercados de trabalho até então bastante homogêneos, aproximando suas características àquelas observadas em países subdesenvolvidos
  2. A fragilização dos sindicatos e, consequentemente, de sua capacidade de representação da classe trabalhadora e regulação das relações e condições de trabalho
  3. A necessidade urgente de se pensar e propor uma nova regulação institucional do mercado de trabalho diante da disseminação do trabalho em plataformas digitais e outras formas de trabalho não protegidas pelas legislações trabalhistas e previdenciárias, como o informal e o falso empreendedorismo

Essa agenda, por sua vez, impõe imensos desafios políticos aos atores relevantes do mundo do trabalho no Brasil e no mundo.

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