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Gate propõe caminhos para a transição ecológica


Gate propõe caminhos para a transição ecológica

Foto: Mídia Ninja

Construindo maiorias sociais para o combate à crise climática. Está no ar a décima nona edição do Boletim Gate, produzido pelo Grupo de Acompanhamento de Temas Estratégicos do Instituto Lula. 

Você pode fazer o download do documento clicando aqui. Ao final desta página, você encontra o link para os outros boletins produzidos pelo Gate.

Leia na íntegra:

Construindo maiorias sociais para o combate à crise climática

Por Beatrice Fontenelle-Weber, Emílio Chernavsky, Marcelo Manzano, Matias Cardomingo e Victor Marques

Nos dias de hoje, não deveriam haver mais dúvidas acerca da existência das mudanças climáticas, tampouco do papel que a ação humana tem sobre o aumento das concentrações de CO2 e outros gases do efeito estufa na atmosfera. Felizmente, no Brasil, essas compreensões são largamente majoritárias: 92% das pessoas reconhecem a existência do aquecimento global e 77% entendem a ação humana como a principal responsável. O aumento no número de tragédias associadas à crise climática evidencia a urgência que vivemos. Apenas neste início de ano vimos quase 300 pessoas perderem a vida em menos de duas semanas em decorrência das chuvas na região metropolitana de São Paulo e em Petrópolis (RJ). É nesse contexto que ganham espaço no debate público vozes reivindicando transformações radicais para enfrentarmos em conjunto o desafio da sobrevivência humana, ao invés das soluções apocalípticas restritas e bilionárias de fugas extraterrestres. 

Entretanto, apesar desse crescente consenso, é evidente que temos falhado em tomar medidas significativas e no tempo adequado para mitigar as emissões e nos adaptarmos à realidade de desequilíbrio do clima. Mesmo excluindo os negacionistas de fato – como o próprio governo brasileiro –, lideranças políticas e econômicas ainda preferem tapar o sol com a peneira, defendendo, de forma ingênua ou mentirosa, que mudanças paulatinas são, por um lado, aquilo que é viável politicamente, e por outro, suficientes para conter os efeitos mais nocivos do aquecimento global.

Partindo desse diagnóstico, dividimos este texto em três eixos: no primeiro, evidenciamos que a crise demanda mudanças drásticas e urgentes; em seguida, argumentamos que essa agenda só será de fato transformadora quando proposta pela e para a classe trabalhadora; e, por fim, apresentamos alguns pontos de reivindicação para um programa de transição ecológica que organizam prioridades para a disputa política.

No que tange à caracterização da crise climática, o mais recente relatório do Painel Intergovernamental para Mudanças do Clima (IPCC) pontua que há mais de 50% de chance de atingirmos um aquecimento superior a 1,5ºC em menos de 20 anos, teto colocado pelos cientistas como limite para que a crise seja tratável. Esse prazo representa um encurtamento de mais de uma década em relação ao relatório anterior, quando se dizia que esse limite seria atingido até 2050.

Estima-se que hoje a temperatura média da superfície do planeta já se elevou em 1,1ºC em relação ao período de referência (1850-1900), atingindo um patamar que não se via há pelo menos 125 mil anos, sendo as últimas cinco décadas o principal período de emissões. Segundo Paulo Artaxo, um dos maiores especialistas no tema e integrante do IPCC, o cenário mais provável hoje é de elevação de 2ºC até 2050 e 3,6ºC até o final do século.

Ou seja, trata-se de um movimento acelerado rumo à catástrofe que não é possível desacelerar de forma abrupta; mesmo se reduzíssemos drasticamente nossas emissões hoje, ainda teríamos um desafio gigantesco à nossa frente. Diante desse cenário, a imagem de um trem sem freios levando a frente uma chaminé de fumaça caudalosa rumo ao precipício parece inevitável. Contudo, é preciso que a construção de um senso de urgência coletivo sirva exatamente para o contrário. É preciso que a compreensão sobre a gravidade da crise climática sirva como motivação para a mudança e não como um catastrofismo paralisante, como já é o caso para parcela da juventude europeia. Estudo recente na Inglaterra indicou que 45% dos jovens de 16 a 25 sofrem da chamada “ansiedade climática”.

A necessidade da ação nos leva ao segundo ponto: a compreensão de que a solução da crise ou será para todos ou não será para ninguém, algo que soa bastante familiar após mais de dois anos de variantes em sequência do coronavírus. Também como em nossa compreensão da pandemia, hoje sabemos que a crise climática não apenas tem impactos desiguais, afetando os mais vulneráveis de forma mais intensa, como seus efeitos acabam por perpetuar e acentuar desigualdades já existentes. Não à toa tem se popularizado o conceito de racismo ambiental, no qual se evidencia como o impacto da crise climática é sentido de forma diferente entre as raças, no caso brasileiro em detrimento de negros e negras.

Porém, diferentemente da emergência sanitária, a crise ambiental foi gestada de maneira desigual: o 1% mais rico foi responsável, entre 1990 e 2015, por 15% das emissões de gases de efeito estufa globais, enquanto os 50% mais pobres emitiram apenas 7%. No Brasil, os hábitos de consumo das famílias pertencentes aos 10% mais ricos resultam em um volume de emissões que corresponde a três vezes as emissões de uma família média e mais de dez vezes as emissões de famílias do décimo inferior da renda. Isso é resultado de um modelo econômico de super exploração dos recursos naturais, principalmente nos países do Sul Global, que recompensa os mais ricos – em especial dos países mais ricos – e sistematicamente exclui as populações mais vulneráveis dos bônus oriundos do desenvolvimento.

Ou seja, ao pensarmos o que significa justiça social no século XXI é preciso considerarmos que o enfrentamento ao aquecimento global é condição necessária para atingi-la. Indo mais além, é preciso compreender que as soluções para o aquecimento global que não são organizadas em torno de maior equidade e justiça não são verdadeiras soluções. A construção de um enfrentamento justo da crise deve ser feito através de uma transição ecológica, que oriente todas as frentes de ação em benefício da maioria. Assim chegamos ao nosso terceiro e último ponto sobre a construção de um programa de transição ecológica voltado para a classe trabalhadora e capaz de construir maioria social para sua defesa.

Em primeiro lugar, é preciso que fique nítido que a transição não deve representar um programa de escassez para aqueles que sempre foram excluídos dos hábitos de consumo. É evidente que o debate a respeito da sobrevivência da nossa espécie no planeta exige mudanças profundas em padrões de comportamento e na configuração de desejos. Contudo, não será onerando ainda mais os mais pobres que faremos a transição. Pelo contrário, será através da garantia de condições de vida digna para esses e redução das emissões pelo topo.

A principal fronteira brasileira para a redução das emissões de gases de efeito estufa é um exemplo disso: atualmente, 44% das nossas emissões são decorrentes do desmatamento de vegetação nativa, em especial da Amazônia. Impedir o desmatamento se faz justamente garantindo condições jurídicas e econômicas para que as populações residentes nessas áreas possam atuar a favor da proteção, ao mesmo tempo em que se coíbe e pune de maneira eficaz o avanço do desmatamento ilegal visando a expansão da fronteira agrícola. Ou seja, é através da garantia de proteção às comunidades ribeirinhas, da demarcação de terras indígenas – reconhecidamente benéficas para a preservação – e da garantia de condições dignas de vida para todos que faremos ser possível a mata valer mais em pé do que deitada.

Em segundo lugar, a transição ecológica exige um programa de investimentos maciços em infraestrutura para que possa ser levada a cabo. Não apenas a transição energética, que apresenta uma necessidade menos premente no Brasil devido à nossa forte participação da matriz hídrica, mas a adoção de medidas de mitigação da crise climática nas cidades, a adaptação de moradias, a construção de modais de transporte menos poluentes e a garantia dos meios para produção e circulação de alimentos saudáveis são todas frentes necessárias de atuação. A série de planos de recuperação verde lançados ao redor do mundo traz algumas pistas dos caminhos por onde seguir.

Por fim, esse processo também demanda uma postura ativa de produção de conhecimento para a criação de um novo padrão econômico capaz de tornar o metabolismo de nossa espécie coerente com nossos limites ambientais. Para tanto, serão necessários não apenas novos produto se processos, mas também novas maneiras de integrar conhecimentos de povos tradicionais com a ciência para que se compreenda a natureza de outras maneiras.

Esses elementos devem servir como bandeira para a criação de maiorias sociais interessadas na construção de um programa de transição ecológica. É apenas através da vinculação entre a pauta ambiental e a melhoria das condições de vida da classe trabalhadora que seremos capazes de frear esse trem que hoje parece ingovernável. Porém, ele seguirá ingovernável se deixarmos que as soluções venham da esfera privada e não passem pela formação de coalizões populares em prol de um futuro de abundância comum.

Acesse os boletins anteriores:

18) Mercado de trabalho e desigualdade: caminhos para superar os desafios da economia capitalista

17) Cidades e retomada do desenvolvimento: um roteiro para o debate

16) Segurança de renda assistencial brasileira na encruzilhada: o futuro pode ser o passado piorado

15) Participação privada: solução para a infraestrutura?

14) Estressamento institucional como método de “governo”

13) Tão perto dos Estados Unidos, tão longe da China: a política externa brasileira no governo Bolsonaro

12) Cinema: o desmonte de uma trajetória em desenvolvimento

11) Brasil perde "cérebros": que falta faz um projeto de desenvolvimento para o país!

10) As cidades serão as mesmas no pós-pandemia? 

9) Quem tem medo do Mercosul?

8) Como fica a democracia no capitalismo de plataforma e vigilância

7) Trabalho nas plataformas digitais

6) A longa queda da indústria brasileira

5) Brasil: nem democracia, nem autoritarismo

4) O papel do planejamento na superação da crise ambiental

3) Mudanças estruturais no mundo do trabalho: determinantes e tendências

2) Teto de gastos e a destruição do Estado Social Cidadão de 1988

1) Brasil e América Latina: dilemas da região a partir da disputa entre EUA e China

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