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Golpe e "desdemocratização" alimentaram violência política no Brasil

Impeachment da presidenta Dilma Rousseff sem crime de responsabilidade e abusos da Lava Jato abriram espaço para discurso de ódio e violência política alimentados por Bolsonaro


Golpe e "desdemocratização" alimentaram violência política no Brasil

Reprodução

Impeachment da presidenta Dilma Rousseff sem crime de responsabilidade e abusos da Lava Jato abriram espaço para discurso de ódio e violência política alimentados por Bolsonaro

Por Cláudia Motta

A deterioração da democracia no Brasil, com o golpe que levou ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff sem crime de responsabilidade e os abusos da Lava Jato, abriu espaço para o discurso de ódio e a violência política no Brasil. De lá para cá, a situação só piorou . Nos anos recentes os episódios de violência política se multiplicaram pelo país.

Violência política foi alimentada por campanha de ódio 

assassinato do guarda municipal e tesoureiro do PT de Foz do Iguaçu , Marcelo Arruda, pelo militante bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho, em julho deste ano, é uma das trágicas mostras de onde pode chegar a banalização da violência e seu incentivo pelo atual presidente da República.

Para o professor de Ciência Política na Universidade Federal da Paraíba Rodrigo Freire esse estado de retrocesso e violência em que o Brasil se encontra é deflagrado com o golpe de 2016, quando o país entra num período de recessão democrática, ou mesmo de desdemocratização. “E isso no sentido de desconstrução. Não apenas das conquistas democráticas, as conquistas cidadãs, da cidadania democrática garantidas a partir da Constituição de 1988. Mas a erosão da própria institucionalidade política quando se teve uma presidenta apeada do poder por um impeachment absolutamente ilegal”, lembra ele.

A cientista política Tathiana Chicarino, vê, além do impeachment de Dilma, um outro marco temporal na escalada da violência política: as jornadas de junho de 2013. “A partir da ocorrência desses dois eventos, em especial das jornadas de junho de 2013, temos a entrada de outros atores na cena pública. Tanto atores conservadores, de direita que depois vão se desdobrar em extrema-direita”, recorda ela. “A partir daquele momento, pelo menos em um dos grupos, o MBL/Vem pra Rua, e outros atores políticos que estavam gravitando nessa nova direita, passou a haver uma normalização da violência no discurso político, com uma radicalização, um tipo de enfrentamento, destruição de reputação e uso intenso das redes sociais. Começamos a observar essa radicalização da violência política nesse discurso. E acabou se canalizando em alguns atores, em especial o PT, Lula, Dilma”, diz, citando outro “contexto midiático”: a operação Lava Jato, que “aumentou ainda mais esse caldo em torno de elencá-los como inimigos públicos”.

Ovo da serpente

Assim, ainda em 2018, antes da campanha eleitoral que levaria à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e então à eleição de Jair Bolsonaro, o Brasil já assistia, parte dele sem reagir, ao que especialistas chamavam de escalada fascista.

Em reportagem da CUT , à época, Rodrigo Freire observava que os grupos responsáveis pelos ataques à caravana Lula na região sul do país, com ovos, paus, pedras (fotos abaixo) e até tiros, eram formados por pessoas privilegiadas, ricas, de classe média alta e fazendeiros, alimentados por esse ódio diariamente via mídia comercial. “Com esse estímulo, abriu-se a caixa de Pandora e veio o ovo da serpente”, disse. Para a democracia brasileira, explica, a caixa de Pandora foi o golpe. E os golpistas não conseguiram controlar o ódio que se transformou nessa escalada do fascismo.

Hoje, reforça o professor, estamos vivendo um nível de violência política nunca visto na sociedade brasileira desde a redemocratização. “As pessoas estão com medo de manifestar publicamente suas opções, salvo os eleitores de Bolsonaro. Então é muito sintomático que apenas um lado da disputa eleitoral tenha medo, justamente porque o outro lado é o violento, que estima a violência como arma política, como é próprio do fascismo. A mentira, a violência são elementos dessa cultura política fascista que Bolsonaro representa e com a qual se identifica.”

Estratégia da desinformação

A cientista política Tathiana Chicarino vê nisso uma estratégia discursiva de acionamento de uma emergência para as pessoas ficarem prontas para a guerra. “Uma confluência entre redes e ruas. E quando a gente pensa nessa aproximação digital, temos um ecossistema de propaganda de desinformação e discurso de ódio que é muito poderoso. Temos os produtores de conteúdo desinformativos baseado nesse discurso de ódio, temos as pessoas que compartilham isso de forma orgânica e os robôs que vão fazer essa circulação do conteúdo e os políticos que funcionam como efeito demonstração, chamando mais atenção e fazendo essa rodinha girar. Tudo isso favorece e estimula essa violência política que temos visto nas redes e na ruas. E como as pessoas acabam ficando em algumas bolhas digitais, câmaras de eco com o discurso sendo reverberado da mesma maneira, acaba observando ambientes de extrema radicalização.”

A jornalista Eliara Santana, doutora em Linguística e pesquisadora do Observatório das Eleições também ressalta o papel desse sistema de desinformação – com o ecossistema de notícias falsas – consolidado no Brasil, segundo ela, a partir de 2018. “Um sistema que opera profissionalmente, que produz e dissemina fake news e que cria na população a ideia de que existe um inimigo e que é preciso eliminar esse inimigo. Tal propagação encontra suporte nos vários canais e portais de notícias falsas e em muitos canais de mídia tradicional”, critica. “Esse discurso é dito e repetido e reproduzido em várias instâncias, encontrando respaldo no poder público, que retransmite esse discurso violento e de violência.”

Tathiana Chicarino destaca ainda o papel da transformação digital intensa, com a entrada da internet, das redes sociais, e a popularização disso no uso cotidiano das pessoas. “Temos esse discurso viralizando de maneira mais intensa. Falando de redes sociais, facebook, twitter etc, os algoritmos acaba, favorecendo discursos que estimulam o ódio, que tem um sentimento de afetos como indignação, que chamam a atenção das pessoas e se engajar no compartilhamento daqueles discursos.”

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