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Há 68 anos, suicídio de Getúlio continha golpismo militar


Há 68 anos, suicídio de Getúlio continha golpismo militar

Velório de Getúlio Vargas no palácio do Catete. Foto: Iconographia

Em 1954, já no final de seu segundo período na Presidência, Getúlio Vargas se viu envolto em uma conspiração que reuniu militares, mídia e empresários. Insatisfeitos com medidas como o aumento do salário mínimo, a legislação trabalhista e o projeto desenvolvimentista, essas forças planejavam um golpe, que acabou frustrado pela comoção com a morte do presidente. Convidamos o jornalista José de Segadas, filho do ministro do Trabalho de Getúlio, José de Segadas Viana, para contar sua visão do que representou o suicídio de Vargas para os rumos da democracia brasileira. 


"Todo o processo que leva ao suicídio de Getúlio Vargas tem início na chamada ‘República do Galeão’ na qual, a exemplo de outros procedimentos judiciais ilegais e arbitrário como ocorreu recentemente com o ex presidente Lula, foram desrespeitados todos os preceitos legais e mesmo as provas onde ficava-se fartamente comprovado que a pessoa de Vargas não tinha absolutamente nada com o atentado cometido por Gregório Fortunato, que chefiava a segurança pessoal de Getúlio contra Carlos Lacerda e sim era apenas um ato de iniciativa pessoal , onde poderíamos usar a expressão popular que diz ‘que queriam ser mais realistas que o rei’.

Agora, vamos explicar o que era exatamente esta ‘República do Galeão’: Denominação pela qual ficou conhecida a Base Aérea do Galeão devido à sua atuação independente durante as investigações relativas ao atentado da Toneleros. Nesse atentado, ocorrido na madrugada de 5 de agosto de 1954, foi assassinado o major-aviador Rubens Vaz e ferido o jornalista Carlos Lacerda, um dos principais opositores do presidente Getúlio Vargas. Inicialmente, as investigações estavam sendo efetuadas pela polícia civil e eram acompanhadas pelo coronel João Adil de Oliveira, designado pela Aeronáutica. No entanto, após o depoimento datado do dia 7 de agosto do motorista de táxi Nélson Raimundo de Sousa — que confessou ter transportado dois homens até o local do crime e revelou conhecer um deles, Climério Euribes de Almeida, membro da guarda pessoal de Vargas — o inquérito foi praticamente paralisado. 

A inoperância policial provocou reações dentro da Aeronáutica, começando a surgir pressões para que as investigações deixassem a alçada da polícia civil e se transformassem num inquérito policial-militar (IPM). O fato de a vítima do atentado ser um oficial da Aeronáutica e de a arma utilizada pelo assassino ser um revólver calibre 45, de uso privativo das forças armadas, forneceu à Aeronáutica o amparo legal — através do artigo 115 do Código de Justiça Militar — para solicitar a instauração de um IPM. No dia 12 de agosto, o ministro da Aeronáutica, brigadeiro Nero Moura, baixou uma portaria autorizando a abertura de um IPM a ser dirigido pelo próprio coronel Adil. O início do IPM da Aeronáutica não significou, contudo, o encerramento do inquérito da polícia civil. Instaurado na delegacia do 2º Distrito, o inquérito policial teve prosseguimento, a partir de 14 de agosto, na Divisão de Polícia Técnica, sob a direção do delegado Sílvio Terra. Entretanto, as conclusões a que esse inquérito chegou foram uma mera reprodução das provas coligidas no IPM. Após a abertura do IPM, os suspeitos passaram a ser levados para a Base Aérea do Galeão, onde eram submetidos a interrogatórios pelas autoridades militares. 

Foi montado um rigoroso esquema de segurança em torno da base, sendo vedada à imprensa qualquer informação sobre os depoimentos prestados, bem como qualquer contato com os detidos. Foram presos e interrogados no Galeão Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal de Getúlio (dissolvida em 9 de agosto), acusado de ser o mandante do atentado; Climério Euribes de Almeida, acusado de haver contratado o pistoleiro que matou o major Vaz e de ter orientado diretamente o crime; João Valente de Sousa, secretário da guarda, acusado de ter facilitado a fuga de Climério; Alcino João do Nascimento, acusado da autoria dos disparos que mataram o major Vaz e feriram Carlos Lacerda e o guarda municipal Sálvio Romero; o motorista de táxi Nélson Raimundo de Sousa, e José Antônio Soares, sócio e compadre de Climério e suposto intermediário entre este e Alcino. Outros acusados de envolvimento no atentado — entre os quais os deputados Lutero Vargas, filho do presidente, e Euvaldo Lodi, Benjamim Vargas, irmão do presidente, Roberto Alves, ex-secretário particular de Getúlio, Vítor Costa, diretor da Rádio Nacional, e Arquimedes Manhães — também depuseram na base. O IPM continuou a se desenvolver no Galeão até o depoimento de Gregório acusando o general Ângelo Mendes de Morais de ser o verdadeiro mandante do crime. Por se tratar de um oficial do Exército de patente superior à do coronel Adil, este remeteu o inquérito em 19 de setembro ao então ministro da Aeronáutica, brigadeiro Eduardo Gomes. 

Nessa ocasião, o país já era governado por João Café Filho, vice-presidente de Getúlio, que se suicidara em 24 de agosto. Café Filho promovera uma ampla reforma ministerial, afastando praticamente todos os nomes ligados ao getulismo e substituindo-os por elementos vinculados em sua maioria à União Democrática Nacional (UDN), como era o caso de Eduardo Gomes. Segundo o coronel Ademar Scaffa de Azevedo Falcão, subcomandante da base aérea do Galeão e auxiliar do coronel Adil nos trabalhos do IPM, houve tentativas de interferência política durante o desenrolar do inquérito. Em depoimento prestado a Hélio Silva, Scaffa afirmou que o deputado udenista Adauto Lúcio Cardoso comparecia constantemente ao Galeão, instando os responsáveis pelo IPM a “conseguirem” um mandante para o atentado, pois a situação política assim o exigia. Por outro lado, corriam boatos de que a base seria atacada, e de que os presos seriam de lá retirados e jogados ao mar do alto de aviões, ou levados para Cachimbo, base da Aeronáutica no sul do Pará. Quanto às denúncias de que os presos — e particularmente Gregório Fortunato — foram submetidos a torturas, o coronel Scaffa declarou que se havia comprometido a não permitir violências durante os interrogatórios, mas que, numa noite em que não dormira na base, Gregório fora interrogado por policiais, entre os quais o detetive Cecil Borer, tendo, nessa ocasião, feito declarações incriminando o general Mendes de Morais. Durante esse interrogatório, Gregório teria sido pendurado num “pau-de-arara” e sofrido outras modalidades de tortura.

Em episódios que se repetem pela história, quase confirmando a teoria de Stephen Hawkins do ‘universo em looping’, a imprensa apoiava o ‘trabalho’ da ‘república do galeão’ como se verá adiante. Em 1945, o brigadeiro Eduardo Gomes tinha praticamente toda a mídia brasileira em sua campanha para a Presidência da República. Pois o vencedor daquela primeira eleição democrática brasileira foi o marechal Dutra, ex-ministro de Getúlio Vargas que contou com discreto apoio do ex-ditador. Nas eleições seguintes, o brigadeiro volta a disputar a presidência da República, mas seu oponente é o próprio Getúlio Vargas, que abandona seu exílio voluntário numa fazenda em São Borja para voltar ‘nos braços do povo’ à Presidência da República. Acompanhando a campanha de Getúlio Vargas, apenas o jornalista Samuel Wainer, então no O Jornal, jornal do grupo do maior poderoso da mídia de então, Assis Chateaubriand. Getúlio vence as eleições mas encontra uma mídia unanimemente unida na oposição ao seu governo. Tamanha unanimidade faz com que o presidente estimule Samuel Wainer a montar um jornal. Beneficiado por um empréstimo generoso do Banco do Brasil, Wainer inaugura a imprensa popular no Brasil com a Última Hora, inicialmente lançada no Rio de Janeiro, pouco depois em São Paulo e em várias outras capitais importantes. A ousadia de Wainer lhe custaria caro. Uma CPI na Câmara Federal – bafejada, apoiada e coberta com enorme destaque pela mídia de então – inicialmente busca comprometer Wainer pelo empréstimo recebido, mas termina por uma perseguição ferrenha alegando que Wainer não seria brasileiro nato. Nem antes, nem depois, jamais falou-se tanto em Bessarábia, região de onde viera a família Wainer quando emigrou para o Brasil. 

Sufocado e isolado Wainer, a oposição e toda a mídia voltam-se direto para seu objetivo: derrubar Getúlio Vargas. Arauto de uma campanha violenta e irracional, Carlos Lacerda misto de político e jornalista, discursa e publica editoriais violentos contra o presidente em sua Tribuna da Imprensa, coluna que mantinha no Correio da Manhã, mas que transforma em jornal a partir de 1952. Em São Paulo, o aristocrático O Estado de São Paulo repercutia a tonitruante vociferação oposicionista. A partir do fracassado atentado, a pressão aumenta até o paroxismo. Um inquérito militar instaurado no Ministério da Aeronáutica passa a ser o centro das atenções – com todo destaque midiático. No decorrer dos dias de agosto de 1954 a pressão sobre o Catete só faz aumentar. O destaque que o inquérito da Aeronáutica recebe é tamanho que, à medida que Getúlio vai sendo encurralado a ‘República do Galeão’ vai ganhando poder, liberdade e autonomia. Getúlio resiste cada vez mais fraco e isolado até ser praticamente deposto. Uma reunião ministerial avalia o quadro com pessimismo na madrugada do dia 24 de agosto. Com um tiro no coração às 8h, Getúlio ‘sai da vida para entrar na história’. A reação popular ao suicídio é tamanha, mas sabe identificar os responsáveis. Os jornais são invadidos, depredados, empastelados.

A morte inesperada de Vargas leva imediatamente a uma forte comoção popular. na abordagem do autor Jorge Ferreira no livro “O imaginário trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular – 1945-1964” o suicídio do presidente Getúlio Vargas foi recebido pela população brasileira em meio a protestos e grande comoção, repleto de acusações à oposição devido o acontecimento. Percebemos, assim, uma linha de compreensão voltada para a população e como esta recebeu a notícia do suicídio do Presidente Getúlio Vargas (FERREIRA, 2005). De acordo com a defesa do autor Jorge Ferreira acerca do papel da comoção do suicídio de Getúlio Vargas mediante a população brasileira, percebemos, que nas diversas regiões do país as pessoas se solidarizaram com a notícia e saíram às ruas para prestarem suas homenagens, como também protestarem contra a oposição. Nesse sentido, a dissertação de mestrado “A repercussão do suicídio de Getúlio Vargas e o processo de mitificação post-mortem no Jornal Correio do Povo de Porto Alegre” de autoria de Bibiana Soldera Dias, percebemos como a repercussão do suicídio de Vargas foi recebida na cidade de Porto Alegre e como a imprensa radialista divulgou a notícia, ocasionando uma comoção nesse estado, o que nos permite notar esse ponto em comum com as diferentes localidades do Brasil. A notícia do suicídio do presidente Getúlio Vargas chegara à capital do Pernambuco de “surpresa” como em outras partes do país. O jornal Correio do Povo publicou na matéria da capa do dia 24 de agosto de 1954 – Ano – I edição de nº 17, “GETÚLIO MORREU PARA LIBERTAR O SEU POVO”. Percebemos a ênfase que o periódico dá ao suicídio que pegou os brasileiros e, sobretudo os cidadãos recifenses sem esperar uma notícia como essa. 

Assim, o jornal que era de caráter trabalhista foi às ruas para ouvir as pessoas e expor o que as mesmas estavam sentindo. Fez uma série de entrevista, com populares do Recife, tendo destacado as comoções das pessoas, assim, na edição de nº 17, o operário João Valfrido Ribeiro quase não pôde falar de tão grande era a comoção que se encontrava”. “O dr Getúlio para os pobres era o maior homem do mundo. Ninguém antes dele tinha olhado para os operários. Foi ele que nos deu a Lei do Trabalho, médicos e remédios de graças, nos Institutos, abono familiar para os nossos filhos e o salário mínimo que não nos deixou morrer de fome. “Era o amigo da pobreza”. Assim, percebemos um discurso emocionado do cidadão que lembra as Leis trabalhistas implantadas no primeiro governo Vargas, dessa forma, o discurso está associado a uma melhoria que os trabalhadores obtiveram em seu governo passado, como também ao emocional do depoente. Desse modo, o suicídio de 24 de agosto de 1954 modificou o sistema político do país. Pois, o segundo governo Vargas passara por uma crise, na qual, sua popularidade estava baixa e a oposição estava criticando o governo. Após o suicídio e com a vinculação da carta testamento, o autor Jorge Ferreira aponta que o mesmo “livrou-se da imagem negativa que o descrevia como “ditador do Estado Novo” e ganhou outra, a do “líder nacionalista e reformador social” (2005. p. 204). Dessa forma, Getúlio Vargas deixa contribuições significativas para a continuação dos seus projetos, agora, na figura do presidente do PTB João Goulart. 

As descrições dos que assistiram a chegada do corpo de Vargas ao Aeroporto Santos Dumont para seu translado a São Borja, no RS, são impressionantes ao relatarem que cerca de 200 mil pessoas, para a época uma imensidão de pessoas, acompanhou o féretro do Palácio do Catete até o aeroporto e não queriam deixar que o corpo de Getúlio deixasse a cidade do Rio de Janeiro.

A melhor definição à morte de Getúlio foi dada pelo próprio em sua Carta Testamento: ‘Saio da vida para entrar na história’."

Mais informações sobre a morte de Getúlio Vargas você encontra no Memorial da Democracia, o museu virtual do Instituto Lula. 

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