De um lado, a nação baseada no programa político e econômico de Temer; do outro, uma que pense cada área prioritária
Samuel Pinheiro Guimarães foi Ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos do Brasil (2009/10) e Alto Representante do Mercosul / Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
17/01/2018 18:01
Por Samuel Pinheiro Guimarães
Colaboração para o Brasil de Fato, 16 de Janeiro de 2018 às 14:09
Há uma luta ideológica, política e econômica entre dois projetos para o Brasil, como Nação, como Sociedade, como Estado.
Estes dois projetos decorrem de visões distintas da sociedade brasileira, de suas características, de seu potencial, de seu lugar no mundo.
O primeiro projeto para o Brasil se encontra articulado, e em acelerada execução, no programa econômico e político de Michel Temer e Henrique Meirelles, o qual decorre de uma visão do Brasil que pode ser assim resumida:
Esta visão do Brasil, que é compartilhada, com entusiasmo, pelo chamado “mercado” que, na realidade, é constituído por uma ínfima minoria de proprietários e executivos de grandes empresas e de megabancos e de acadêmicos de escola neoliberal, tem amplo apoio dos proprietários da grande mídia ortodoxa, que procuram apresentar esta visão como a única correta e as políticas dela decorrentes como a única solução para o Brasil evitar a catástrofe final.
Seria possível afirmar que o “Mercado” é integrado pelos 71 mil brasileiros que declararam à Receita Federal terem rendimentos superiores a 160 salários mínimos, cerca de 160 mil reais por mês, e que determinam de fato os movimentos as bolsas, as grandes operações com divisas e as decisões de realizar ou não investimentos especulativos ou produtivos.
A síntese das políticas adotadas pelos formuladores e executores deste projeto para o Brasil, que é impulsionado por Michel Temer e Henrique Meirelles, é a seguinte:
Essas políticas reduziriam ao mínimo as dimensões e a competência do Estado como investidor; como promotor do desenvolvimento; como regulador e fiscalizador da atividade econômica.
Essas políticas, de uma forma ou de outra, implementam o que os Estados Unidos da América e as potências capitalistas e industriais ocidentais vêm demandando do Brasil há varias décadas. De certa forma, estão todas previstas no Consenso de Washington, documento redigido por representantes do FMI, do Banco Mundial, do Departamento do Tesouro americano e acadêmicos, em 1989.
Essas políticas vêm sendo executadas por um governo com escassíssima popularidade e elevadíssima rejeição, com o auxílio de um Congresso que se caracteriza por ter grande número de seus membros comprometidos por denúncias de corrupção e por ter uma larga maioria de representantes de setores empresariais, eleitos por contribuições financeiras de grandes empresas. A legislação, caracterizada por ser um retrocesso histórico, é aprovada de forma apressada e com pequeno debate público, apesar de sua enorme importância.
A determinação em fazer aprovar essas políticas pelo Congresso e a necessidade de rejeitar as denúncias de corrupção apresentadas pela Procuradoria Geral da República fez com que o governo de Michel Temer “adquirisse” os votos das bancadas de parlamentares que representam os interesses mais conservadores, tais como a bancada da bala, as bancadas religiosas, a bancada ruralista etc.
Os compromissos do Governo com essas bancadas conservadoras levaram à adoção não somente de leis e decretos como de medidas administrativas que representam grave retrocesso nas áreas de direitos humanos tanto políticos, como econômicos e sociais, que se encontram protegidos pela Constituição em seus artigos 5º e 6º e por tratados internacionais subscritos pelo Brasil.
Paralelamente, se verifica uma politização do Poder Judiciário, da Polícia, do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União, que se comprova pelo seu afã persecutório contra o PT, contra seu líder o Presidente Lula e contra os direitos dos trabalhadores, e por sua leniência e “ignorância” sobre delitos cometidos por políticos conservadores.
Essa politização do Judiciário em todos os seus níveis, desde as Varas de Primeira Instância ao Supremo Tribunal Federal (STF), dos procuradores individuais até a Procuradoria Geral da República (PGR) e da Polícia Federal leva a práticas e decisões que agridem os princípios fundamentais do Direito e violam os direitos dos cidadãos:
O governo Temer, com o auxílio, “remunerado”, de sua maioria no Congresso, e de integrantes do Poder Judiciário, desde a primeira instância até o Supremo Tribunal Federal, vem procurando tornar permanentes as políticas econômicas que implementa através de reformas que consolidem, no sistema político/judiciário, o poder das classes hegemônicas tradicionais, tais como:
A atitude, leniente e conivente, do governo Temer diante das violações de direitos humanos no campo e nas cidades contra os indivíduos mais pobres e vulneráveis, o silêncio diante das manifestações de racismo e das ações violentas de grupos de direita, em público e na internet, leva a uma divisão ainda mais profunda da sociedade, com o aguçamento dos preconceitos raciais, de gênero, de orientação sexual, e ao antagonismo em relação à política e às instituições, criando uma situação propícia ao desenvolvimento de movimentos fascistas e conducente a regimes autoritários e à ditadura.
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O segundo projeto para o Brasil parte da seguinte visão da realidade:
Os investidores privados e as empresas tendem a se concentrar, por definição, nas atividades em que há maior perspectiva de lucro, menor risco e menor concorrência interna e externa e, portanto, não são capazes, sozinhos, de enfrentar com êxito os desafios que as características da sociedade brasileira colocam.
Os investimentos de longo prazo, em especial em infraestrutura e de menor rendimento são inibidos, pois o Estado, que tem competência constitucional por sua prestação, não tem capacidade para realizá-los delegando-os à iniciativa privada que só os assume quando consegue obter, em contrato, condições satisfatórias de remuneração, muitas vezes descumpridas.
Para tais investimentos não há financiamento suficiente do sistema bancário privado, a juros e prazos adequados, o que cria uma dependência do BNDES, da CEF e do Banco do Brasil.
O Estado, sozinho, igualmente não é capaz de enfrentar de forma eficiente esses desafios e tem de se fortalecer financeira e tecnicamente para enfrentar a parte que lhe cabe desses desafios.
O capital estrangeiro, também sozinho, não seria capaz de enfrentar esses desafios, múltiplos, complexos e inter-relacionados, até por não ter uma visão global e nacional do Brasil e nem competência legal para tal tarefa.
Para enfrentar os múltiplos desafios que aquelas quatro características colocam é necessária uma estratégia de desenvolvimento que conjugue a ação da iniciativa privada nacional, do capital estrangeiro e do Estado.
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A primeira e principal característica do Brasil é o subdesenvolvimento, que pode ser definido como a utilização, com menor eficiência e plenitude, de seus fatores de produção, isto é, de sua força de trabalho, de seu capital e de seus recursos naturais.
A população brasileira é de 207 milhões de indivíduos e a população adulta corresponde ao número de eleitores, que é de cerca de 140 milhões.
Os brasileiros adultos que declararam rendimentos à Receita Federal em 2015 foram 27 milhões, que são aqueles que percebiam rendimentos mensais superiores a 2.200 reais por mês ou tinham algum imóvel.
Assim, cerca de 110 milhões de brasileiros estariam fora do mercado devido a seu nível salarial mensal insuficiente (inferior a 2.200 reais mensais) para adquirir muitos dos bens que seriam produzidos pela iniciativa privada, tais como saúde (remédios, cirurgias, internações, etc.) educação de qualidade adequada em todos os níveis, transporte privado, moradia a preço de mercado, seguro de previdência privada etc.
A organização e desenvolvimento da força de trabalho, essencial para que a maioria dos brasileiros possam se tornar mais produtivos e melhores cidadãos do ponto de vista cultural e político e, portanto, para ampliar o mercado para a iniciativa privada, exigem políticas no campo da educação, da saúde, da segurança pública, do saneamento, do transporte e políticas públicas de salários, previdência pública e assistência. Essas políticas são numerosas e complexas e serão mencionadas em princípio aquelas que poderiam ser consideradas essenciais e prioritárias em cada área.
A organização e o desenvolvimento do capital em suas três naturezas, financeira, física e empresarial, é indispensável para o desenvolvimento e a geração de empregos capaz de absorver a força de trabalho que chega todo ano ao mercado e os estoques de mão de obra subempregada e de baixa capacitação.
A organização e o desenvolvimento da exploração dos recursos naturais do território brasileiro é o terceiro desafio do subdesenvolvimento. As medidas prioritárias seriam:
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A segunda característica da sociedade e da economia brasileiras são as disparidades de toda ordem que entravam o desenvolvimento econômico, político e social brasileiro. As principais medidas em cada setor seriam as seguintes:
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A terceira característica da sociedade brasileira é a vulnerabilidade a pressões, ameaças e agressões externas, nos campos econômico, tecnológico, ideológico, político e militar.
A redução das vulnerabilidades depende do aumento da presença nacional nos diversos setores da sociedade em que se verifica a influência externa e na maior capacidade da sociedade de influir sobre esses setores no sentido de induzo-los a agir de acordo com os interesses gerais e não apenas em favor de seus interesses individuais, ou de interesses estrangeiros.
No campo econômico, as principais medidas e políticas que reduziriam a vulnerabilidade seriam as seguintes:
No campo tecnológico, as principais medidas que reduziriam a vulnerabilidade seriam as seguintes:
No campo ideológico, as medidas e políticas que reduziriam a vulnerabilidade seriam:
No campo militar, as medidas e políticas que reduzem a vulnerabilidade externa seriam:
No campo político, a vulnerabilidade externa se reduziria:
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A quarta característica brasileira é a fragilidade do Estado em seus três Poderes.
As medidas prioritárias para enfrentar as fragilidades do Poder Legislativo seriam:
As medidas necessárias para reduzir as fragilidades do Poder Executivo seriam:
No Poder Judiciário, as medidas prioritárias seriam:
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A luta entre esses dois projetos para o Brasil é a luta entre:
Edição: Vanessa Martina Silva