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Ratier entrevista Nicolazzi: TV Escola traz História preconceituosa


Ratier entrevista Nicolazzi: TV Escola traz História preconceituosa

Foto: Reprodução

Na manhã desta segunda-feira (16), o presidente Jair Bolsonaro defendeu o fim do contrato com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), responsável por gerir a TV Escola. Na sexta-feira (13), foi confirmado que o contrato não seria renovado para 2020. 

Bolsonaro argumentou que a TV Escola “deseduca”. “Tem um pessoal aproveitando, [dizendo] ‘Querem acabar com a cultura’. Esse tipo de cultura eu vou acabar”, anunciou. O presidente aproveitou a conversa com os jornalistas para insultar Paulo Freire, patrono da educação brasileira: “Tem muito formado aqui em cima dessa filosofia desse Paulo Freire da vida, esse energúmeno aí, ídolo da esquerda”. 

Apesar do que diz o presidente da República, programação ideológica nunca foi uma marca da TV Escola. Recentemente, porém, o canal incluiu em sua programação conteúdos alinhados com os valores do governo federal. Em dezembro, por exemplo, estreou no canal “Brasil: a Última Cruzada”. A série, que apresenta uma interpretação diferente para fatos históricos, teve o autoproclamado filósofo e “guru intelectual” do presidente, Olavo de Carvalho, como um dos entrevistados no primeiro episódio.

Sobre o tema, o jornalista Rodrigo Ratier conversou com Fernando Nicolazzi, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), para seu blog no portal UOL. O historiador, especialista em historiografia, afirma: “A série não apresenta as fontes e as documentações históricas que baseiam seus argumentos, como se espera de uma pesquisa consistente. A versão apresentada depende da narração em off e das opiniões dos entrevistados”.

A seguir, leia a matéria completa, publicada originalmente no blog de Ratier

TV ligada ao MEC traz História preconceituosa, diz especialista

"Nunca mais seja massa de manobra", anuncia o site da Brasil Paralelo, autointitulada "a maior plataforma de educação política do país". Na apresentação dos cursos, testemunhos de como o site mudou a vida das pessoas: "a gente foi submetido a um ensinamento muito parcial", diz uma jovem. "A história que me contaram não tem nada a ver com a história que eu estou aprendendo agora", diz outra. Em outro vídeo, a promessa de aprender mais sobre filosofia,  política, história, direito, arte, economia e cultura com "algumas das maiores autoridades intelectuais do nosso país". Fazem parte da lista o polemista Olavo de Carvalho e os deputados federais Luiz Philippe de Orléans e Bragança e Carla Zambelli, ambos da base de apoio do presidente Jair Bolsonaro. 

Na semana passada, a produtora ganhou certa notoriedade ao ter um de seus documentários exibidos na TV Escola. O governo tem buscado afastar o rótulo de "TV estatal". Atualizado em 9 de dezembro, o site do Ministério da Educação informa que a emissora "chegou a fazer parte do Ministério da Educação, mas desde 2015, mantém apenas contrato de gestão com o MEC para produção de conteúdo e gestão operacional". O topo do site do canal possui link para o domínio oficial da União, gov.br, o email de contato é [email protected] e, no ano passado, o canal recebeu R$ 73 milhões do MEC. Na última sexta-feira, o ministro Abraham Weintraub despejou a emissora e disse que não vai renovar o contrato com a associação responsável pela programação. O canal segue no ar, mas seu futuro é incerto.

"Ideologias perversas contaminaram o imaginário popular, causando danos incalculáveis em jovens, que hoje estão perdidos e sem norte", anuncia o apresentador Filipe Valerim, um dos sócio da produtora, antes do capítulo 2 de Brasil: A Última Cruzada, a série exibida pela TV Escola. O "antídoto", ainda segundo o vídeo, seriam os próprios documentários da Brasil Paralelo, "desenvolvidos para despertar a consciência e o patriotismo em qualquer pessoa."

Para Fernando Nicolazzi, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o conteúdo é questionável. "A série não apresenta as fontes e as documentações históricas que baseiam seus argumentos, como se espera de uma pesquisa consistente. A versão apresentada depende da narração em off e das opiniões dos entrevistados", afirma. Historiador formado pela UFPR, Nicolazzi se especializou no terreno da historiografia — ramo de conhecimento que investiga, entre outras aspectos, como a História é escrita. Em 2016, participou da fundação do Luppa, Laborátorio de Estudos sobre os Usos Políticos do Passado, vinculado ao Departamento de História da UFRGS. Nos últimos anos, vem estudando as produções da Brasil Paralelo. 

Segundo Nicolazzi, a visão histórica da série Brasil: A Última Cruzada, é datada, por retomar a concepção romântica dos "heróis da pátria do século 19"; distorcida, por enxergar a escravidão de uma perspectiva moralizante e não como um traço estrutural da nação; e preconceituosa, sobretudo no tratamento do islamismo e dos povos indígenas. "Enxergo um alinhamento da exibição da série com uma política de Estado, já que ministros e até o vice-presidente já expressaram visões semelhantes sobre nosso passado". Abaixo, os principais momentos da entrevista concedida ao blog:

O que se pode dizer sobre a qualidade da série Brasil: a Última Cruzada? 

Fernando Nicolazzi: Do ponto de vista do relato histórico, eu não recomendaria a série. A produção de conhecimento histórico envolve uma série de mecanismos, de protocolos metodológicos e teóricos. É preciso apresentar fontes e documentos históricos para legitimar a narrativa, que depois precisa ser inserida num contexto de discussão — a historiografia acadêmica se faz com base no debate entre pares. São mecanismos de controle saudáveis. A série não traz as fontes e as documentações históricas que baseiam seus argumentos. A legitimidade da narrativa está ligada apenas aos palestrantes que eles escolhem — ou seja, só temos a voz da autoridade. 

Quais são os problemas específicos? 

Nicolazzi: Há um preconceito religioso contra o islamismo que me parece muito evidente. Por exemplo, quando vão representar a ocupação moura na Península Ibérica, fazem toda uma encenação gráfica como se fosse toda uma mancha vermelha tomando conta da península, como um banho de sangue. Outro exemplo diz respeito à sociedade indígena, que teria emburrecido nas Américas e salva com a chegada dos europeus. É bastante complicado sustentar isso tanto do ponto de vista metodológico quanto do ético. Há também distorções, como a ideia de que fascismo era um movimento de esquerda. Dentro da historiografia, há consenso de que essa é uma hipótese descartada, que nem merece ser discutida. Por fim, a visão sobre a História do Brasil é datada. Foi superada há muito tempo. 

Que concepção de História é essa? 

A Brasil Paralelo tem um apreço muito grande pelo século 19. Eles se guiam por uma ideologia monarquista, cristã e patriótica. É uma História baseada naquilo que se chamava "os varões ilustres da pátria". A produção fala abertamente em "grandes heróis nacionais": José Bonifácio, D. Pedro II, Leopoldina, Princesa Isabel. É muito complicado quando você produz uma narrativa meramente factualista e pautada sobretudo em figuras masculinas — com algumas poucas concessões às mulheres –, brancas, europeizadas. A gente já passou por uma série de desdobramentos no conhecimento histórico que questionaram isso. 

Para ler a matéria completa, acesse o blog de Rodrigo Ratier

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