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Nicolelis: Ciência é arma mais potente contra o inimigo


Nicolelis: Ciência é arma mais potente contra o inimigo

Foto: Jailton Garcia/RBA

Por Eduardo Maretti, da Rede Brasil Atual

Estamos realmente num estado de guerra. Uma guerra inédita, com um inimigo desconhecido, invisível, que acabamos de encontrar. Logo, precisamos convencer as pessoas da letalidade e da gravidade do inimigo. A afirmação é do neurocientista Miguel Nicolelis, professor e pesquisador da Universidade de Duke (EUA). E coordenador do Comitê Científico Consórcio Nordeste, lançado na semana passada. Segundo ele, trata-se de uma “guerra híbrida multidimensional, (porque tem) várias dimensões que precisam ser atacadas em paralelo.”

“Precisamos conhecer o inimigo, como ele vai infectar um grande número de pessoas, como os dados já mostram, quais são as fraquezas dele e como podemos nos defender”, disse, em palestra promovida pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da Bahia (Sinjorba) nesta terça-feira (7).  Segundo o último balanço, o Brasil tem 667 mortes e 13.717 casos.

Miguel Nicolelis destacou por diversas vezes em sua fala, realizada por videoconferência, que na atual fase da pandemia no país o “distanciamento social é a primeira grande forma de defesa”. Evitar as aglomerações, para não se criar um colapso do sistema de saúde, “é a grande preocupação no mundo inteiro”.

A proteção aos profissionais de saúde e suprimento para hospitais e UTIs é vital. Além do aspecto dramático da saúde de médicos e enfermeiros, a perda de profissionais nos hospitais é grave, já que quanto menos pessoas na linha de frente do combate ao vírus, menos pacientes serão tratados.

Papel estratégico da ciência

Num momento em que o conhecimento científico é atacado a partir do próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, Miguel Nicolelis destacou “o papel estratégico da ciência, uma das armas mais potentes contra esse inimigo invisível”. O comitê do Consórcio do Nordeste é “um Estado Maior científico”, como ele define.

Segundo o pesquisador, há modelos muito importantes sendo elaborados pela comunidade científica no Brasil e existem variações de cenário estudados. “No cenário mais brando, estamos falando de dezenas de milhares de óbitos, e no cenário mais grave, apocalíptico, estamos falando de algo que pode chegar a um milhão ao longo de vários meses”.

Miguel Nicolelis ressaltou que não se pode prever no momento qual cenário irá prevalecer no país. “Com os modelos brasileiros, vamos ter uma ideia melhor do grau de letalidade da pandemia no Brasil.”

A taxa de letalidade da covid-19 no Brasil é de 4,9% de óbitos em relação ao número de casos confirmados de infecção por coronavírus.

Devido à complexidade da pandemia e da novidade representada pelo SARS-CoV-2, nome oficial do novo coronavírus, é preciso que a ciência atue em vários campos, como biologia, medicina, engenharia e ciência computacional. “As prioridades são múltiplas e simultâneas”, disse. Essa urgência é demonstrada pela situação de países que minimizaram a gravidade da pandemia, como Itália, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos.

Credibilidade na UTI

O Reino Unido, por exemplo, está enfrentando a fase explosiva da pandemia (6.159 mortes e 55.242 casos confirmados), e, simbolicamente, seu primeiro-ministro, Boris Johnson, que desdenhou da capacidade destrutiva do coronavírus, está internado em uma UTI.

Segundo Nicolelis, esses países tiveram os mesmos problemas enfrentados pelo Brasil, como falta de testes e sistema de saúde insuficiente, enquanto a Alemanha e Coreia do Sul talvez tenham dado a resposta mais eficiente.

“Alemanha e Coréia do Sul decidiram reagir rapidamente em janeiro, os testes são feitos e têm sobras de leitos de hospitais e UTIs, a ponto de a Alemanha estar recebendo pacientes do norte da Itália e da França (para se tratarem)”. Mesmo assim, há 99.225 casos (2.016 óbitos) confirmados de alemães com a covid-19.

Já nos Estados Unidos (12.748 mortos até esta terça-feira, 7), os estados que não adotaram essas medidas estão enfrentando uma explosão, como Georgia, Luisiana, Nova Orleans. “E vai haver uma explosão muito grande provavelmente na Califórnia”, prevê Miguel Nicolelis.

“O quadro americano dá o tamanho da guerra que vamos enfrentar”, afirmou. “Nas regiões mais pobres de Nova York, o número de mortes é da ordem de quatro vezes maior do que em Manhattan.”

Vacinas e terapias

O enorme esforço feito por pesquisadores do mundo todo em busca de vacinas e terapias não produzirá resposta terapêutica “em dias”, pontua Nicolelis. “Daí a relevância do distanciamento social. Os dados da China mostram que a pessoa pode transmitir de forma assintomática.”

Ele destacou que ainda é cedo para se consolidar uma proposta de vacina. “Vários grupos estão dizendo que têm uma proposta de vacina. Ótimo, mas, como cientista, quero ver os dados.”

Nesse sentido, ele chamou a atenção para a importância de o jornalismo combater as fake news disseminadas na conjuntura de pandemia, que “também entraram na medicina e na ciência e estão causando um problema dramático, porque geram um volume muito grande de ansiedade e expectativa”, em relação a terapias supostamente eficazes, como, por exemplo, “essência de ipê roxo e sal grosso para borrifar na garganta”.

Disse que eventuais resultados de novas drogas antivirais in vitro, mesmo sendo resultado de estudos promissores, ainda podem estar “muito longe de ser a bala de prata que vai salvar todos nós, porque essa droga ainda não foi testada in vivo, só in vitro”.

Comitê científico do Nordeste

Miguel Nicolelis informou que os cientistas do comitê científico do Nordeste estão estudando e fazendo testes com tecidos para a produção artesanal de máscaras. “Estamos inclinados a recomendar o uso de máscaras caseiras”, afirmou. Ele lembrou que organizações internacionais estão revertendo as posições de que não se deve usar máscaras normalmente.

O redirecionamento da cadeia de produção, para a fabricação de insumos, será “vital para o Brasil”, para fornecer equipamentos que o mercado internacional já não tem mais.  

“Vai ser muito difícil ter ajuda de outros países. Teremos dificuldades enormes com os Estados Unidos, e não vamos receber nada deles, (porque) estão desesperados lá dentro, e não vamos ter ajuda da Comunidade Europeia e a China, nossa grande esperança – infelizmente estamos tendo problemas políticos e diplomáticos, (o que é) totalmente errado”.

Assim, costureiras, artesãos, microempresários, tecelagens espalhadas pelo Nordeste estão sendo contatados para se engajar na produção de máscaras, por exemplo, e outros equipamentos. A ideia é criar uma cadeia de políticas públicas. Segundo ele, porém, as decisões científicas devem estar “acopladas” a medidas econômicas e sociais, principalmente dirigidas a pessoas de baixa renda.

A pós-pandemia

Apesar da gravidade da pandemia e do drama mundial, as pessoas precisam tentar manter um estado mental otimista e atitude de enfrentamento, defende Miguel Nicolelis: “É importante até para o estado imunológico”.

“A primavera vai voltar. A gente tem uma sensação de que roubaram a primavera da gente, mas a gente não pode tirar a primavera de dentro de nós”, disse. Sua opinião pessoal é de que “o mundo que a gente conhecia pré-pandemia desabou”. 

“A pandemia expôs uma série de fragilidades no modelo civilizatório que criamos enquanto espécie. Essas fragilidades foram expostas de maneira avassaladora. O mundo vai ter que reestruturar tudo, essa visão de que o dinheiro e os mercados é o que importa.”

Dois grandes exemplos, nesse sentido, são a Inglaterra e o Brasil. “O sistema de saúde da Inglaterra, que era um dos melhores do mundo, foi devastado pelas políticas neoliberais e cortes de verbas públicas”, disse, para não falar dos Estados Unidos, que nunca tiveram um sistema público, “e vão pagar um preço altíssimo”.

Já no Brasil, acrescentou, havia um sistema que era um “patrimônio nacional”, na opinião de Nicolelis, o que se viu, por exemplo, nas campanhas contra o HIV, no caso da farmácia popular, do programa Mais Médicos. “Tudo vai ter que ser reestruturado, rediscutido, e espero que a gente ponha as prioridades que estamos identificando neste momento na frente do debate do que é prioritário e do que é secundário.”

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