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Guilherme Mello: O que esperar com a aprovação da reforma?


Guilherme Mello: O que esperar com a aprovação da reforma?

Guilherme Mello analisa os efeitos da reforma da Previdência, aprovada na Câmara / Foto: Reprodução

O que esperar com a aprovação da reforma da Previdência?

Guilherme Mello*

A aprovação da reforma da Previdência pode se traduzir em três grandes impactos na economia brasileira: um fiscal, um distributivo e outro sobre o crescimento. 

O impacto fiscal foi estimado recentemente pelo IFI (Instituição Fiscal Independente) em R$ 744 bilhões em 10 anos (bem abaixo do quase R$ 1 trilhão previsto pelo governo). Esse resultado diz respeito apenas às despesas da seguridade, ou seja, não calcula o impacto de uma eventual redução no volume de contribuições (receitas), dada a crescente dificuldade em se aposentar que pode levar milhões de pessoas a simplesmente abandonar a contribuição e se manterem/tornarem informais ou PJs. 

O segundo impacto relevante será sobre a distribuição de renda. Aqui, as mudanças no Regime Próprio de Previdência Social, o RPPS (de servidores públicos), tendem a aumentar a progressividade do gasto previdenciário, enquanto algumas mudanças no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) podem piorar a distribuição de renda, dificultando o acesso a aposentadoria e concentrando o valor dos benefícios mais próximos do salário mínimo. Numa análise correta sobre distribuição de renda para o caso brasileiro (usar décimos é errado), que leva em conta os centésimos mais altos da piramide (1%, 2% ou 3%) contra o resto, o impacto da reforma tende a ser regressivo, já que a reforma vai reduzir a renda de quem ganha entre um e três salários mínimos, alterando muito pouco a renda de quem está no topo da piramide. 

Por fim, o impacto sobre o crescimento depende de muitas variáveis que são independentes da discussão previdenciária. A redução no valor dos benefícios e da cobertura da seguridade certamente trarão impactos negativos para o crescimento no longo prazo, pois reduzirá a renda disponível de uma parcela da população com alta propensão a consumir. Por este motivo, do ponto de vista "estrutural", é bastante razoável acreditar que o impacto da reforma tende a ser ligeiramente recessivo ao longo do tempo. 

Apesar disso, deixo uma hipótese no ar: a aprovação da reforma da previdência pelo placar ampliado passa uma impressão (possivelmente equivocada, dado que é normal governos aprovarem mudanças substanciais no primeiro ano) de grande força política do Maia e até do governo. A esquerda ficou isolada e ainda teve defecções em partidos importantes, como PDT e PSB. Nesse cenário, o otimismo do setor financeiro pode crescer fortemente, dada a perspectiva de uma suposta "vida fácil" para mudanças menos polêmicas e de cunho igualmente neoliberal. Em um cenário de baixa inflação e juros em queda, com valorização de ativos financeiros e cambio valorizado, estaria reaberta as condições para um mini ciclo de crescimento, puxado pelo crédito e por algum impulso de demanda (talvez FGTS+PIS), que pode impactar no consumo de duráveis e imóveis. O governo havia perdido a primeira oportunidade para o mini ciclo no início do ano, ao se atrapalhar na política e fazer uma agenda econômica sem nenhuma atenção ao emprego e renda. 

Ademais, dada a prolongada depressão e a perspectiva de abertura comercial, os setores mais dinâmicos tendem a realizar mini ciclos defensivos de investimento, trocando maquinaria (via importação) por algo mais capital intensivo. 

O efeito desse tipo de crescimento sobre o emprego é pequeno, mas pode fortalecer o discurso liberal como caminho para saída da depressão. Com a aproximação das eleições de 2020, toda a pressão será pela reativação do circuito do consumo, o que pode levar o governo a apelar para algumas medidas econômicas "heterodoxas" visando explorar a possibilidade de um mini ciclo, que mesmo de baixo impacto, pode ajudar eleitoralmente a base do bolsonarismo nas eleições municipais.

*Guilherme Mello é professor do Instituto de Economia da Unicamp

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